sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Pequena aula de redação - abaixo a tortura




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Frequentávamos o chamado curso científico. Havia no currículo muita matemática, química e física. As aulas de física eram puxadas, mas um professor nos surpreendeu ao aplicar a primeira prova mensal. Antes de distribuir as questões, foi ao quadro-negro (era negro, na época) e lá escreveu todas as fórmulas sobre cálculo de volumes, velocidade, peso, aceleração que havíamos estudado.
Feito isso, distribuiu as questões da prova e explicou que no quadro estavam fórmulas que poderíamos aplicar na solução dos problemas. Nada de decoreba.
- A memória foi feita para guardar coisas agradáveis, decretou. O importante é raciocinar.
Lembro-me desse professor sempre que penso nas provas de redação.
O tema é segredo total. O aluno só irá conhecê-lo na hora da prova. Ora, sabemos que os escritores jamais escrevem sobre assuntos que não dominam e pelos quais não têm interesse. Vejamos o caso de um jornalista. Deve conhecer o assunto, precisa ler, pesquisar, entrevistar, juntar informações. Caso contrário, sua técnica de redator não funciona.
Em segundo lugar, me horroriza a solidão absurda em que está o aluno. Ele, uma caneta, uma folha de papel. Ora, escritores não escrevem assim.
Cito o meu caso por ser o caso de todos. Escrevo usando um notebook. Sobre coisas que me interessam e sobre as quais pesquisei em livros ou documentos. E conto com a presença de dicionários e livros de consulta. E posso acionar a internet para consultar enciclopédias, verificar datas, ortografia de nomes, nomes de lugares.
É com todos esses recursos que escritores e jornalistas escrevem. É também com o apoio dessas armas que professores e acadêmicos redigem teses e preparam aulas.
Já o aluno está abandonado à própria sorte. Suando frio. Só pode recorrer à sua flagelada memória.
E tem mais. Essas provas de redação se apegam, por mais que digam o contrário, a duas coisas secundárias: ortografia e regras gramaticais. Como se isso fosse o mais importante no domínio da escrita.
Hoje todos nós temos no micro um corretor à disposição. Alerta para equívocos, sugere alternativas. Todos usam isso, escritores, jornalistas, professores – menos os pobres alunos.
E tem mais. Muitas vezes, diante de uma dúvida – digamos, uma crase impertinente – recorro a antigos colegas de faculdade. Além disso, antes de ser publicado, um texto é submetido ao crivo severo de um revisor. Revisores já me salvaram de publicar barbaridades.
E o aluno? Está em total abandono. Deve escrever sobre algo que não escolheu e que talvez nem seja do seu interesse e sobre o que não teve tempo de pesquisar. Deve estar atento às armadilhas ortográficas e gramaticais. Além disso, ser capaz de algum brilho ou graça no texto.
Certo estava meu professor de física. Fórmulas devem estar disponíveis no quadro. No caso da redação, permitir o uso dicionários e obras de consulta.
Quem souber pensar, escreverá uma boa redação.


3 comentários:

  1. Correto. Além do pensar e dicionário, uma das fórmulas inegáveis para uma boa redação e o desenvolvimento de qualquer texto é a bagagem de leitura que se tem, ou um acúmulo de fatos e saberes na memória que a melhor forma de expô-los é escrevendo.

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  2. Concordo com seus argumentos, caro Roberto. No entanto fiquei aqui me perguntando de que forma seria aplicada a prova de redação ideal. Trazer consigo o dicionário é uma medida simples e legítima, mas quanto ao tema acho que deverá continuar surpresa. Porque os estudantes de hoje tem um leque de possibilidades tão vasto que a tentação de copiar e colar seria um enorme problema, difícil de ser contornado. Levando em conta o exemplo do seu professor, talvez um bom caminho fosse a elaboração da redação com base num texto, assim como nos problemas de física, onde temos que primeiro decifrar o enunciado pra depois usar as fórmulas. Que tal?

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  3. Muito bom seu artigo. Todos os profissionais fazem consultas, conferem, validam suas produções com seus pares. Só o aluno não. O valor do conhecimento está em fazer as melhores escolhas. O bom é que o professor, em sala de aula, pode fazer isso diferente, para sorte de alguns alunos.

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