quarta-feira, 17 de abril de 2019

A mulher mais linda do mundo



Resultado de imagem para menino jogando bola de gude




Ele era um menino, sete anos. Mas talvez os hormônios em seu corpo de criança não soubessem disso ou se desgovernassem segundo outro calendário, contando o tempo em saltos triplos.
O certo é que ele ficava de plantão, ouvidos atentos, pois sabia que ela costumava sair de casa depois do almoço. Ela. Dezessete anos. Ao menor ruído, ele abria a porta cuidando para que tudo parecesse uma enorme coincidência.
Puxava uma banqueta e ficava de tocaia. Era preciso paciência, pensava em sua cabeça de menino. Para passar o tempo, tirou do bolso um saquinho no qual guardava as bolinhas de gude – que ele chamava de clicas – e fez uma inspeção demorada para ver se estavam todas em ordem. No meio da tarde iria jogar com amigos que chegavam da escola. Examinou a clica atiradeira, precisa e fatal, cheia de si. E uma das preferidas, que misturava tons de marrom com vermelho. Gostava dessa, era... deu um salto: a porta!
Desceu da banqueta e se atirou na direção da porta, que abriu sem o devido cuidado. Resultado: as clicas despencaram do saquinho e se espalharam pelo chão, uma delas saltitando escada abaixo.
- Oi, disse ela, o que houve?
Ele apenas abriu a boca. Disparou a catar as clicas, enquanto repetia:
- Nada, nada.
Desceu um lance de degraus para apanhar a mais fujona.
- Qualquer dia você cai dessa escada, menino. Cuidado, disse ela.
- Caio não.
Não gostou de ser chamado de menino. O vestido dela era branco – e era só o que ele via. No mais, o rosto mais belo do mundo, olhos verdes e sorriso alegre.
- Com licença?
Ela passou por ele, que se afastou. Sentiu o seu perfume, que parecia misturar marrom e vermelho.
Dois degraus abaixo, ela se virou:
- Não vai sair para jogar clica?
- Mais tarde, respondeu.
Pensou: burro! A pergunta dela era quase um convite para que descessem a escada juntos.
Ele gaguejou:
- Vo...vou sim.
Ela sorriu o sorriso mais lindo do mundo:
- Então venha.
Desceram a escada, os degraus de madeira negra a gemer a cada passo que davam. Parecia música.
Ele saltava os degraus guiado pelo perfume. Empinava o nariz para sentir melhor. Como era linda, pensava. Como era suave aquele perfume. E a voz? Fazendo um esforço enorme em sua cabeça de menino, pensou em dizer alguma coisa, mas só conseguiu perguntar:
- Será que chove?
Ela sorriu:
- Não se preocupe. Só chove à noite.
- Também acho, disse ele, pensando que ela era mesmo uma princesa.
Chegaram ao térreo. Ela perguntou se ia jogar clica.
- Ainda não. Meu amigo não chegou.
- Você joga bem?
- Pouco, sacudiu os ombros.
Ela abaixou-se para pegar a clica que ele mostrava, a tal marrom com tons de vermelho, e ele mergulhou os olhos em seu colo rosado. Estava certo que era dali que vinha o perfume.
- Bonita clica.
Foi quando estacionou junto à calçada um imenso conversível. Ela acenou e entrou no carro. Ele controlou seu ódio de menino. Sentiu vontade de socar a cabeça daquele tipo que interrompera a conversa deles, o patife.
O conversível sumiu e o menino pensou que precisava achar um estojo para a clica marrom com tons de vermelho. Ela a pegara nas mãos e dissera que era bonita. Decidiu que para sempre guardaria aquela clica como um troféu.
Suspirou e, aos pulos, de três em três degraus, subiu a escada.