segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O Festival de Besteiras – o retorno





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Sérgio Porto, notável escritor e humorista, também conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, morreu em 1968. Estivesse vivo, teria um material inesgotável com o qual ampliar o seu levantamento a respeito do Brasil sob a ditadura Militar, o chamado O Festival de besteiras que assola o país, o trágico e hilário FeBeAPá.
Ocorre que o desgoverno Bolsonaro, sob os olhares atônitos da nação, segue no seu afã de fazer com que o Brasil retorne ao século XVI.
Não exagero.
Estava eu aqui me preparando para escrever algumas mal traçadas sobre as mais recentes asneiras produzidas por auxiliares de Bolsonaro, quando sou surpreendido pela nomeação para a presidência da Funarte do... quem mesmo?
Vejamos. No site de Dante Mantovani, agora presidente da Funarte, tudo está organizado para provocar suspiros de admiração pela trajetória do retratado.
Mas algo não funciona.
Diz o retratado pertencer à “comunidade paraguaçuense” tendo dado cursos sobre “vários instrumentos”. Não é muito,
Somos informados que, além de maestro, é coautor (embora não diga qual o nome do parceiro com o qual escreveu a obra) de dois livros que seriam best-sellers no site da Amazon.com, maior site de vendas do mundo, acrescenta.
Ocorre que na Amazon.com não há registro de uma das obras mencionadas, enquanto a autoria da outra é atribuída a Francisco Navarro Lara, que por sua vez não cita qualquer coautor. Francisco seria o autor, simplesmente, como consta da capa do livro.
Os livros seriam “Los Dez Mandamientos Del Director de Orchesta Del siglo XXI”, “El milagro de dirigir la Orchesta sin usar las manos” e “Vade Mecum de La Dirección Orchestal” , lançados, com presença dos coautores, em Huelva, Espanha, em 2015. Estes seriam os best-sellers vendidos pela Amazon.com.
No entanto, ao pesquisarmos a obra Vade Mecum de La Dirección Orchestal no site da Amazon recebemos uma resposta formal: “Nenhum resultado para Vade Mecum de La Dirección Orchestal”.
Não bastasse, o maestro alega que publicou dezenas de artigos nos seguintes veículos: “Jornal Folha da Estância (SP), Jornal O contemporâneo (SP), Jornal A Voz (SP), Revista Philologus (RJ), Revista Entretextos (PR), Revista Diálogos Musicais (Acre), Revista Coments (SP), Portal Si Vis Pacem, Site Mídia Sem Máscara”. Sem comentários.
A tudo isso se junta uma informação curiosa: o maestro, que se diz também filósofo, alega ter participado de um conclave para a Democracia, em Washington D.C., realizado pelo “prestigioso” National Press Club, onde esteve a convite do “filósofo” Olavo de Carvalho, de quem se confessa aluno desde 2012.
Sabemos que o National Press Club não é um local de grandes debates, mas sim um clube que dispõe de instalações e contatos que facilitam a atividade profissional de jornalistas. Segundo as palavras do próprio site do clube, trata-se de um local próprio para “o relax, a apreciação de um drink ou jogar cartas”. Ao que tudo indica, aluga suas dependências para eventos jornalísticos.
No mais o autointitulado maestro e filósofo tem programa na Rádio Mãe de Deus e faz comentários de cultura na TV Paraguaçú.
Vale assinalar que nunca exerceu cargos administrativos na área da cultura e não se destacou além dos limites interioranos por onde circula.
Enfim, Mantovani é mais um estrupício inventado com o evidente objetivo de desprestigiar áreas da cultura que Jair e seus filhos, por não terem a menor condição de entendê-las, odeiam. Esse ódio, como explicaria qualquer psiquiatra, tem origem em puro ressentimento. Um caso clínico, é verdade, mas trata-se de uma estratégia muito bem planejada que vem se repetindo em diversos órgãos governamentais, do Ministério da Educação à Funarte.
O alvo é óbvio: deseducar. A tática é semear a confusão levantando falsas polêmicas.





quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Como governar em pé de guerra ou A política segundo Bolsonaro



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Não direi nenhuma novidade, pois todos sabem que vivemos, os brasileiros, aos trancos e barrancos, na expressão feliz de Darcy Ribeiro. A cada dia, somos torpedeados por novas teorias alarmistas, ameaças de lado a lado, fossos cavados entre as fronteiras impossibilitando um rumo para o país. O que se entende por política se reduz a um xingamento mútuo, governantes e militantes se comportando como moleques de rua trocando desaforos. E os oráculos das duas facções não se cansam de colocar mais gasolina na fogueira. Afinal, é a arma da guerra.
Algum desavisado pensaria que os sobressaltos dessa montanha russa resultariam de alguma conjunção dos astros, algo a ver com as fases a lua, ou, quem sabe, resultado de uma maldição lançada pelos deuses.
Não se trata disso.
Note-se que o Jair agora está apresentando um projeto ao Congresso, necessário, segundo ele, para o enfrentamento dos movimentos de protesto. Para enfrentar tais ondas de protesto, que são até agora puro delírio do Jair, o governante pretende se encher de poderes para baixar o sarrafo nos descontentes.
A verdade é que o presidente precisaria entender que movimentos de protestos são episódios frequentes nas democracias, sendo detestáveis apenas aos olhos de tiranos de ópera bufa. Vejam que na França ninguém está propondo novas legislações para trancafiar em masmorras os gilet jaune. A pancadaria come de lado a lado, o confronto está nas ruas, mas, terminados os protestos, todos voltam a seus afazeres e seguem a discussão no dia a dia, até que novo apito da panela de pressão exija nova pancadaria nas ruas.
Não é assim com o governo do Jair. Diante da possibilidade futura de confrontos como os do Chile, ocorreu ao Jair sacar de seu coldre de ideias curtas um decreto que aprofunda o fosso entre governantes e governados.
Não bastasse – e mostrando que os trancos e barrancos são planejados – o ministro Guedes chamou para a dança o fantasmagórico AI5. O resultado foi a disparada do dólar. Alguém acha que, com a formação de economista que o ministro tem, ele teria dito diante de jornalistas e câmeras e microfones o que disse sem avaliar as consequências? Como diz o povo: foi de caso pensado.
Temos aí uma série de erros grosseiros. O mais grave sendo a ameaça do fantasma do AI5, que tem sido inflado por quem julga que política é uma espécie de briga de boteco.
Mas a razão do uso de tal recurso é manter de pé o anúncio de que tudo só se resolverá com um regime ditatorial.
Tal concepção política não é acidente ou esquisitice de ministros e governantes desorientados. É parte de um plano muito bem urdido e conduzido com obstinação pelo Jair e seus comandados.
Em primeiro lugar, cria-se o pânico. Os pretextos podem ser diversos, sejam as  inexistentes manifestações nas ruas ou um decreto qualquer. Em seguida, asseclas disparam ameaças de possível retaliação dos inimigos. Acionado o alerta, os partidários ficam em prontidão enquanto porta-vozes improvisados desmentem o que mentiram e outros desmentem as mentiras dos desmentidos.
Guedes, ágil Pinóquio, desmentiu-se a si mesmo, dizendo que a fala sobre o AI5 era para ficar só em off.
Despistes cujo objetivo é de molde militar.
Por uma razão simples. A visão de política e de governo que têm os militares é calcada no modelo da guerra. Eles, os militares, são homens feitos e moldados para a guerra. É a guerra que dá sentido às suas existências. A guerra é o meio no qual eles se sentem bem. Trata-se do binarismo bélico: de um lado nós e, do outro, eles.
Mas, na ausência de guerra e de inimigos externos, toda mentalidade autoritária converte sua própria população em inimigo. Pois é preciso que haja um inimigo, verdadeiro ou falso. É preciso que esse inimigo seja temível. E é preciso manter inimigos e população em estado de guerra e de prontidão.
Uma prova claríssima disso foi a proposta de reforma da previdência que contou com a encenação do ministro Guedes, estufado de fúria e falta de educação, ao enfrentar o Congresso, conseguindo produzir tumulto nas discussões, no que foi auxiliado por políticos da assim chamada oposição. Como consequência, tanto a população como muitos políticos ficaram atarantados, sem saber exatamente no que a tal reforma consistia.
Como fecho final, a aprovação da reforma pelo Congresso (com emendas que o governo não desejava), não teve por parte dos seus defensores a comemoração apoteótica que haviam planejado, pois Jair gostaria de uma reforma de autoria monolítica, dele e do Guedes.
Por isso os estrategistas do Planalto dispararam novas leis e projetos retumbantes. É preciso, como se vê, manter o país ocupado e de prontidão.
E a paz social?
Ora, como talvez dissesse o Conselheiro Acácio, nada mais contrário à paz do que a guerra.
Bom, nesse caso teria toda razão.




terça-feira, 23 de julho de 2019

O Big Brother Bolsonaro


 

Será Bolsonaro um enigma? Uma farsa? Um truque rasteiro? Um gato escondido com o rabo de fora? Um pesadelo? Um castigo para um país que não soube se construir com inteligência e dignidade?
Uma coisa é certa: mito é algo que ele não é.
Todos os que se debruçam sobre esses meses de desgoverno do Jair fazem esforços para entendê-lo segundo os mais diversos modelos teóricos. Nenhum serve. Não há, nos mais diversos matizes ideológicos ou científicos, quem os possa socorrer. De nada servem Adam Smith, Conte, Weber, Marx. Não há o que dê conta da extravagância.
Pois eu, modesto escriba, quero colaborar nessa corrida decifratória do Jair.
Considerados alguns fatos, tais como, o caráter errático das opiniões e das decisões e decretos do Jair, analisados os seus seguidos desmentidos de si mesmo, podemos dizer que essas idas e vindas dele traçam um perfil de um jogo de pebolim: é uma esfera rodando sem destino ou lógica, sem ordem ou nexo.
Vejamos. O afoito paraquedista já desferiu golpes para todos os lados, sendo que todos eles estavam errados.
Um exemplo foi a questão da liberação quase universal do porte e posse de armas, que seria a medida certeira para exterminar com a criminalidade. O Brasil, é claro, viraria um imenso território atravessado por balas perdidas de todos os lados. Mas seria, na versão do Jair, um território mergulhado na paz. A paz feita de guerra. Bandidos munidos de metralhadoras e fuzis se assustariam com o pacífico cidadão com um trinta e oito na cintura. Essa medida foi anunciada aos arrancos, como é típico do Jair, desde a campanha eleitoral, e teve um destino inglório: foi soterrada por críticas vindas de todos os lados e, sobretudo, pela derrota mais humilhante para quem dispõe de tantos assessores: o soberbo decreto era uma enfiada de agressões à constituição. Ponto final. Foi quando o Jair foi obrigado a mostrar a sua outra fase: disse que não era bem assim, era assado, desconversou.
Outra bobagem: querer transformar Angra dos Reis numa Cancun. A fúria com que esse indivíduo se arremessa contra diversos sítios e símbolos nacionais, só seria superado pelas bobagens ditas a respeito da Amazônia. Pretendeu convocar o presidente francês, Macron, para sobrevoar a selva e, caso encontrasse sinais de devastação, ele se renderia. Nesse caso, dado o disparate, ele se corrigiu de imediato sem dar ao Macron a chance de aceitar ou não o convite.
Não demorou, arremeteu contra Fernando de Noronha. O problema, no caso, seria o preço cobrado pelo ingresso na ilha, coisa de cento e tantos reais para brasileiros. Ora, não é muito, convenhamos, sendo que os custos de ir à Fernando de Noronha são outros: deslocamento dentro do Brasil, hospedagem, passagem para a ilha, aonde se chega somente por avião etc. Jair, golpeado por pancadaria grossa, deixou a ilha em paz e trocou de alvo.
Ora, tudo isso indica que não há princípio nem teoria alguma que oriente esse desorientado. Como seu universo intelectual é bastante limitado, ele procede como se estivesse num Reality Show. É o BBB - Big Brother Bolsonaro. Política, para ele, se funda no seguinte: é preciso manter os adversários ocupados discutindo absurdos para que o debate seguinte encubra o fato de que o governante não está fazendo nada.
Essa é a base das “ideias” do Jair. O Reality Show se resume nisso: um bando de jovens de poucos miolos tentando trapacear a tempo todo para derrubar os outros e se manter em cena.
O segundo tem a ver com as raízes de Jair: a caserna. Estou convencido que ele vai demorar muito tempo para entender que dirigir uma nação é algo muito mais complexo do que dar ordens a um batalhão. Batalhão é algo uniforme e submisso: dessa experiência Jair guardou o ríctus facial rígido e o queixo de boneco de ventríloquo.
Outras “ideias” do Jair, certamente geradas no núcleo familiar, têm a ver com visões delirantes e corrompidas da sexualidade e do pensamento, tal como a luta contra a suposta doutrinação para que todos os jovens se tornem homossexuais –- um absurdo total – somado a outra estupidez, a escola sem partido. Jair (e adversários, neste caso) não entendeu que não existe escola com ou sem partido. Escola implica livre troca de informações, de criação, de alternativas, é lugar de aprendizagem, de debate, de dúvidas, de múltiplos pontos de vista, sendo que partido é isso: partido. Algo fraturado. Assim, a ideia de educação é avessa à ideia de doutrinação, seja de direita ou de esquerda. Um doutrinador é o oposto de um educador.
Mas mentes obtusas amam simplificações, tal como a bobagem de que meninos vestem azul e, meninas, rosa.
Tudo isso veio desaguar no anúncio espalhafatoso da possível nomeação de seu filho, Eduardo, como embaixador do Brasil nos EUA. Trata-se de um delírio chocante, que mesmo os mais toscos ditadores evitaram. Pois Jair, em pleno delírio exaltado, veio a público defender que nomear parentes para cargos públicos não é nepotismo. Seria o que, então? Segundo Jair, uma forma de ajudar seu filho, bom rapaz, o que é natural num pai dedicado. Nepotismo, portanto.
Ora, o que move um homem como Jair? Trata-se de uma fúria desenfreada que imagina que a política é uma arena para confrontos no estilo Reality Shows. É preciso trapacear, levantar “polêmicas”, reunir agregados e comparsas, confrontar com inimigos a custa de um vale tudo em busca do prêmio no final da carnificina.
O problema do Jair é que uma nação não é um batalhão. Política não é apenas destroçar o adversário. O Brasil não é um programa de TV. Para governar é preciso ter ideias, apresentar soluções, encaminhar propostas viáveis, discutir com todo o conjunto da sociedade para encontrar o melhor caminho para alcançar um patamar mais justo, ser capaz de ouvir muitas vozes e opiniões e retirar disso tudo uma linha mestra que possa unificar a nação em torno de objetivos que correspondam ao maior benefício. Exige mente lúcida e generosa.
Nada disso está presente no horizonte do Jair.
Até esse momento ele não apresentou uma só ideia para a educação. Pensem bem: o que foi proposto para educação exceto roupas azuis e rosas? Menos ainda ideias para a saúde, sendo que se ignora o que o Jair deseja fazer para consertar o sistema de saúde no Brasil, assim como inexistem projetos de como reformar o sistema viário brasileiro – nenhuma meta colocada na mesa pelo governo. Além disso, expandir exportações não se faz com nomeação de filho como embaixador.
A única ideia-milagre parida pelo seu governo veio não dele, mas do ministro da Economia, Paulo Guedes, que alias não fez mais do que por em prática a cartilha liberal. Mas todos sabemos que milagres são coisas raras e não costumam salvar governos incompetentes.
O fracasso do Jair como presidente é claro quando se avalia o que foi feito nesses meses de desgoverno. Nada foi feito. O tempo foi perdido em “polêmicas” falsas que têm como objetivo apenas esconder a incompetência, que não é apenas dele, Jair, mas de todo um grupo de alucinados que o rodeiam e que se isolam cada vez mais. No entanto eles jogam para a plateia, buscando manter cativo o percentual de votantes das eleições.
Como cereja no bolo, Jair desferiu sua mais recente trapalhada, agora contra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Em entrevista à imprensa, o presidente questionou os dados fornecidos por aquele órgão sobre as taxas de desmatamento da Amazônia e disse que são mentirosos, acusação que o diretor do INPE classificou de “conversa de botequim”.
Assim, é com profunda tristeza que devo sublinhar que, depois de sofrer com a grande derrocada do PT, que jogou por terra uma chance histórica única, temos agora que suportar essa farsa direitista cujas garras da brutalidade ainda estão por ser exibidas.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Fellini e o Rinoceronte








Eis aí uma frase de Federico Fellini sobre a qual devemos refletir nesses tempos de homens públicos vociferantes, valentões de anedota, filósofos de caserna, ratazanas famintas, líderes de multidões fanatizadas e semialfabetizadas, todos esses tipos que lembram a sutileza com que se moveria um rinoceronte numa loja de cristais:

O que é o fascismo senão uma adolescência prolongada?
(Federico Fellini)


sexta-feira, 17 de maio de 2019

Bolsonaro aposta na ignorância



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Há quem se surpreenda com criaturas que optam pela ignorância.
Trata-se de um erro grave pensar assim. Quem pensa dessa forma imagina que a ignorância não proporciona nenhuma vantagem ou conforto ou paz.
Ao contrário do que alguns imaginam, a ignorância é algo sumamente reconfortante, um verdadeiro paraíso. O ignorante não imagina estar diante de algo que o desafie ou que ele precise decifrar com os parcos recursos presentes em sua diminuta mente.
Por uma razão simples: o ignorante já tem tudo resolvido em sua mente. Tudo ali está claro e é óbvio. Ele tem um pequeno depósito de chavões e frases feitas com os quais resolve todos os problemas que possam aparecer. Aliás, o ignorante nem mesmo vê problemas nas questões que o cercam. Na verdade, problemas surgem quando alguém, descontente com suas crendices ou doutrinas, se coloca na posição de questionamento. Ou seja, só haverá problema se houver uma atitude ativa do sujeito que pensa. É a inteligência e a curiosidade que criam o problema e, eventualmente, a solução.
Tudo isso é contrário à atitude do ignorante, com a vantagem de que esse se cansa menos, pois está dispensado de pensar.
Convenhamos ser essa uma atitude oposta a do cientista, que se tortura sempre com as hipóteses contrárias às suas convicções. Um cientista precisa ter uma severa objetividade, deve levantar dados, deve buscar não interferir com seus desejos no processo de conhecimento. Isso significa que o cientista está obrigado a dobrar-se ao que está além de suas crenças.
O mesmo se diga do filósofo (não confundir com divulgadores que vendem o politicamente correto como se fosse pensamento crítico) que reflete sobre tudo que acumulou de conhecimento e o coloca em questão. O símbolo disso é a atitude de Sócrates que dizia “só sei que nada sei”. Ou de Descartes, que chegou a duvidar da própria existência para afinal chegar ao cogito. Ou de Deleuze, para quem a filosofia nos obriga a retornar ao zero de conhecimento - e recomeçar.
Já o ignorante não precisa disso. A ele basta uma crença, que pode vir da tradição ou do partido político com o qual se identificou, dos costumes de sua tribo, dos dogmas de sua religião.
No desgoverno Bolsonaro, vimos essa idiotia encarnada numa ministra que declarou que é preciso abandonar Darwin e colocar em seu lugar a Bíblia, com o que tudo ficará claro e seguro. Nada mais a temer, nenhuma dúvida a infernizar nossos corações.
O próprio Bolsonaro, sendo indivíduo criado na caserna – a qual, é sabido, não se dedica a formar grandes intelectuais, mas homens disciplinados e convictos – disparou uma artilharia contra a evidência de que no dia primeiro de abril de 1964 ocorreu um golpe de estado no Brasil com a implantação de uma ditadura militar.
Sua aposta na ignorância lhe permitiu negar tudo isso sem consultar bibliotecas, sem ler historiadores. O resultado foi um delírio vergonhoso no qual ele chegou a rotular Hitler de socialista. O mundo inteiro (a parte pensante dele) deu gargalhadas do pitoresco presidente brasileiro.
O golpe e a ditadura militar são óbvios nos tanques e tropas saídos de inúmeros quarteis. A ditadura é óbvia pela repressão que instalou: prisões arbitrárias, sumiço de adversários, assassinato de quem se opunha às forças militares. Houve censura estúpida à literatura, ao teatro, ao cinema, à cultura, como se fôssemos bobocas que precisassem de tutela militar para escolher o que pensar, ver, ler ou ouvir.
Enfim, isso está demonstrado por vasta documentação histórica. Basta ler algo além de apostilas dos cursos da Escola Superior de Guerra.
Ou seja, Bolsonaro e sua trupe apostam na ignorância. Mais ainda, ele e seus seguidores desejam cultivar a burrice e a grosseria como armas políticas. Quanto maior o nível de desinformação, tanto melhor para sacramentar delírios verbais em lugar de pensamentos.
Nada como a comodidade de uma cabeça vazia, onde flutuam chavões e prepotência. Não exige esforço, não exige leituras, pesquisas, bibliotecas. Enfim, não exige estudar.
A ignorância é o paraíso das cabeças ocas.






quarta-feira, 15 de maio de 2019

Um espião na sala de aula




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A imagem, de 1970, não me sai da cabeça até hoje. Lá na última fila de carteiras, surgiu um tipo de ombros largos, pescoço grosso, cabelos cortados muito curtos, tudo isso emoldurado por camisa branca e paletó.
Era óbvio. Um agente do serviço secreto invadira minha modesta sala de aula.
Ali eu lecionava, para uma turma de jornalismo, uma matéria chamada Introdução à filosofia, pela qual, aliás, os futuros jornalistas não demonstravam muito interesse. Aos trancos e barrancos eu tocava o barco sem pretensões de formar novos pensadores ou de produzir qualquer revolução sociocultural.
Estava eu cumprindo a minha tarefa quando citei o filósofo Platão. Mal terminei a frase onde encaixara o nome do filósofo grego, e o tipo lá da última fila de carteiras ergueu o braço pedindo a palavra.
Respirei fundo esperando pelo pior. Mas, como é de lei, dei a palavra a ele.
Ele carregou um pouco no tom de deboche e disse:
- Professor, não acha que esse tal de Platão era meio comunista?
Levei um susto, claro. Os alunos saíram da pasmaceira jornalística costumeira e um deles jogou a mão contra a testa. Já era alguma coisa.
Recuperado do susto, eu perguntei:
- Veja... como é mesmo o seu nome?
Ele agitou-se na cadeira e disse que ainda não se matriculara.
- Mas tem um nome, claro.
Ele disse que sim, mas não declinou o nome. Devia ser mesmo um agente secretíssimo. Fui em frente.
- Olha, meu caro, Platão viveu no século IV antes de Cristo e as ideias comunistas só passaram a circular no século XIX depois de Cristo. Uma distância de uns vinte e três séculos.
Ele se retesou na carteira.
Continuei:
- Assim, por mais brilhante que fosse a mente de Platão, ele não poderia prever o que aconteceria vinte e três séculos depois. Enfim, nem mesmo a palavra comunismo fora inventada. Além disso, o que será “meio comunista”?
Silêncio tumular na sala e uma cara de fera enjaulada por parte do sujeito.
Nos anos da ditadura militar estávamos sujeitos a esses constrangimentos - e a outros, piores. Não era raro surgirem nos corredores da universidade tipos de cabelo escovinha, fortões e sisudos, que entravam em salas de aula ou onde houvesse alguma palestra. E lá ficavam com olhos tensos em busca de perigosos comunistas.
Depois saíam de fininho rumo a alguma saleta do DOPS para anotar em fichas o que haviam conseguido em sua perpétua luta contra os perigos do pensamento filosófico, do qual, é claro, não entendiam coisa alguma.
Nos dias que correm, já tivemos um ministro que gostaria de vigiar conteúdos de aula e transformar professores em espiões de perigosos agentes da subversão, os alunos. Esse ministro se foi, trocado por outro de igual truculência. Além disso, o presidente anunciou o desejo de fulminar, a golpes de cortes no orçamento, o estudo da Filosofia e da Sociologia. Vejam só: a Filosofia tem pelo menos 25 séculos de vida e ele quer acabar com ela por decreto.
Já imaginaram a pobreza intelectual à qual seríamos condenados?
Se, com as liberdades vigentes, não se consegue deslanchar a educação no Brasil, o que será de nós sob a vigilância de tipos como aquele da última fila de carteiras?






quarta-feira, 17 de abril de 2019

A mulher mais linda do mundo



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Ele era um menino, sete anos. Mas talvez os hormônios em seu corpo de criança não soubessem disso ou se desgovernassem segundo outro calendário, contando o tempo em saltos triplos.
O certo é que ele ficava de plantão, ouvidos atentos, pois sabia que ela costumava sair de casa depois do almoço. Ela. Dezessete anos. Ao menor ruído, ele abria a porta cuidando para que tudo parecesse uma enorme coincidência.
Puxava uma banqueta e ficava de tocaia. Era preciso paciência, pensava em sua cabeça de menino. Para passar o tempo, tirou do bolso um saquinho no qual guardava as bolinhas de gude – que ele chamava de clicas – e fez uma inspeção demorada para ver se estavam todas em ordem. No meio da tarde iria jogar com amigos que chegavam da escola. Examinou a clica atiradeira, precisa e fatal, cheia de si. E uma das preferidas, que misturava tons de marrom com vermelho. Gostava dessa, era... deu um salto: a porta!
Desceu da banqueta e se atirou na direção da porta, que abriu sem o devido cuidado. Resultado: as clicas despencaram do saquinho e se espalharam pelo chão, uma delas saltitando escada abaixo.
- Oi, disse ela, o que houve?
Ele apenas abriu a boca. Disparou a catar as clicas, enquanto repetia:
- Nada, nada.
Desceu um lance de degraus para apanhar a mais fujona.
- Qualquer dia você cai dessa escada, menino. Cuidado, disse ela.
- Caio não.
Não gostou de ser chamado de menino. O vestido dela era branco – e era só o que ele via. No mais, o rosto mais belo do mundo, olhos verdes e sorriso alegre.
- Com licença?
Ela passou por ele, que se afastou. Sentiu o seu perfume, que parecia misturar marrom e vermelho.
Dois degraus abaixo, ela se virou:
- Não vai sair para jogar clica?
- Mais tarde, respondeu.
Pensou: burro! A pergunta dela era quase um convite para que descessem a escada juntos.
Ele gaguejou:
- Vo...vou sim.
Ela sorriu o sorriso mais lindo do mundo:
- Então venha.
Desceram a escada, os degraus de madeira negra a gemer a cada passo que davam. Parecia música.
Ele saltava os degraus guiado pelo perfume. Empinava o nariz para sentir melhor. Como era linda, pensava. Como era suave aquele perfume. E a voz? Fazendo um esforço enorme em sua cabeça de menino, pensou em dizer alguma coisa, mas só conseguiu perguntar:
- Será que chove?
Ela sorriu:
- Não se preocupe. Só chove à noite.
- Também acho, disse ele, pensando que ela era mesmo uma princesa.
Chegaram ao térreo. Ela perguntou se ia jogar clica.
- Ainda não. Meu amigo não chegou.
- Você joga bem?
- Pouco, sacudiu os ombros.
Ela abaixou-se para pegar a clica que ele mostrava, a tal marrom com tons de vermelho, e ele mergulhou os olhos em seu colo rosado. Estava certo que era dali que vinha o perfume.
- Bonita clica.
Foi quando estacionou junto à calçada um imenso conversível. Ela acenou e entrou no carro. Ele controlou seu ódio de menino. Sentiu vontade de socar a cabeça daquele tipo que interrompera a conversa deles, o patife.
O conversível sumiu e o menino pensou que precisava achar um estojo para a clica marrom com tons de vermelho. Ela a pegara nas mãos e dissera que era bonita. Decidiu que para sempre guardaria aquela clica como um troféu.
Suspirou e, aos pulos, de três em três degraus, subiu a escada.





sábado, 23 de fevereiro de 2019

As palavras e os preconceitos





As palavras correm o mundo, faladas ou escritas. Há aquelas que são passageiras como o vento – batem asas e se vão. Há outras que estacionam nas conversas e, de tanto se repetirem, tornam-se cacoetes irritantes. Enfim, tal como os seres humanos, palavras são boas ou más dependendo de seu uso, oportunidade e senso do ridículo. Não são seres divinos.
O jornal O Pasquim colocou em circulação, no final dos anos 1960, uma dessas palavrinhas que tinha o poder de estabelecer parâmetros na conversa e deixar claro de que lado se estava e o que se pensava. Tratava-se do pontual “seguinte:”, assim mesmo, acompanhado de dois pontos. Vivíamos uma época em que era preciso estabelecer limites e clareiras entre os discursos que circulavam militarmente por aí, sendo também um pedido de direito à palavra.
Era uma época complicada.
Hoje há em circulação uma palavrinha-síntese da qual, devo confessar, não gosto muito. Trata-se do “entendo”. Todas as conversas são pontuadas por sucessivos “entendo”. Quando meu filho começou a usar essa expressão, confesso que levei um susto. De início me pareceu uma expressão demasiado dura e seca. Parece significar que já se entendeu tudo, ponto final. Conversando com meu filho e seus amigos, meu susto aumentou. A todo momento pintava um “entendo” na conversa e eu pensava: essa geração diz que entende; eu, com algumas décadas a mais nas costas, ainda não entendi nada.
Temos, assim, uma geração cheia de certezas que evita questionamentos mais refinados. E uma geração, ai de nós!, que cultivou a hesitação e a dúvida – e que até hoje não entendeu nada.
Há outras palavras que parecem sintetizar uma quantidade grande de pensamento, mas é só aparência. Me refiro ao termo afrodescendente.
Evitando complicar, diria que para pensar são necessários conceitos. De alguma maneira a filosofia não é mais do que a busca e o burilamento de conceitos, desde os pré-socráticos até Deleuze.
Ocorre que afrodescendentes é um não-conceito. É apenas noção descritiva.  Existem afrodescendentes, como meu filho, com pele claríssima, cabelos castanhos claros e crespos. Ocorre que meu bisavô era negro, donde eu e meus filhos sermos afrodescendentes. Mas os avós maternos de meu filho são italianos.
Desta forma, sendo noção descritiva nada tem de conceitual e que possa sustentar qualquer argumento inteligente.
E a razão é simples. Tal uso se baseia numa concepção racial do ser humano, sendo que raça é noção que foi abandonada por todos os cientistas sérios ao longo do século XX. Só os nazifascistas a levam a sério. E pensamento se faz com conceitos ou não se faz.
O que prova haver abuso da palavra é que o termo afrodescendente não estabelece parâmetros para nada. Foi o caso dos gêmeos ocorrido na seleção de alunos para ocupar cotas nas universidades. Um deles foi aceito como afrodescendente, e o outro, não. O grande argumento “científico” usado pela banca julgadora foi a cor da pele. De fato, um era mais claro. Como se vê, uma tolice.
A cor da pele não é conceito explicativo de absolutamente nada.





terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Lembranças de tio Mário









Todos o tratavam como tio Mário, numa época em que só os irmãos dos pais eram chamados de tios. Era casado com uma prima de minha mãe.
Um brasileiro autenticamente português, troncudo, cabeçudo, irascível, de humor rude. Poderia ter sido boxeador, pelo tipo e temperamento, mas era carpinteiro e católico devoto.
Excelente carpinteiro. Ao lado de sua modesta casa, que ele mesmo construíra, havia uma carpintaria. Uma mesa de trabalho sempre coberta de cepilho. Pelas paredes dependurava as ferramentas das quais ninguém podia se aproximar. Depois de anos fabricando móveis, agora trabalhava para a Igreja de Nosso Senhor dos Passos, ao lado do bairro Saco dos Limões, em Florianópolis.
Era carola como só se fazem em Trás-os-Montes. Homem de sizo fechado, mãos calejadas e fortes, tinha convicções inabaláveis, ou seja, todos os dogmas católicos e versículos da Bíblia. Não ria jamais – ou não me lembro dele rindo. Saía cedo para o trabalho e voltava ao final do dia, exausto.
Sentava num banquinho colocado no quintal da casa. Levantava as pernas das calças e sua mulher, a doce e miúda tia Celina, vinha lhe tirar as meias, deixando expostas as imensas varizes que transformavam suas pernas num enodoado de raízes, de veios e de veias, de nódulos e calombos – um território devastado. Tia Celina lavava suas pernas com algodão umedecido, passava pomadas enquanto ele mirava um ponto qualquer no infinito, fingindo não sentir dor e só movendo a cabeça quando nós, as crianças, passávamos em correria e aos berros. Ele resmungava:
- Essas pestinhas não ficam quietas!
Era um homem bom? Um homem mau? Não sei. Sei que era um homem carrancudo. Com certeza um homem triste. Tomado por convicções inamovíveis, tinha do mundo e dos homens ideias muito bem definidas.
Por exemplo: quando, em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong pisou na Lua, tio Mário saiu do mutismo e soltou a língua. A razão era essa: o feito do astronauta abalava uma convicção que enunciava com o indicador em riste: o homem jamais chegará à Lua! E arrematava: como é que o homem poderá pisar num astro feito por Deus?
Eu, abusado, bati com os pés no chão de barro do quintal:
- Eu não estou pisando em uma coisa feita por Deus, tio Mário?
Ele bufou. Oscilou os ombros de boxeador, mas conteve-se. Foi se trancar na marcenaria. Americanos passeando na Lua era coisa de ateus.
- Esse astronauta dando pulinhos é truque de Hollywood!
Mas as lembranças mais fortes que tenho dele são as procissões. Tio Mário surgia numa imensa bata negra, segurando uma vela gigante, na procissão de Nosso Senhor dos Paços. No rosto, uma determinação absoluta e assustadora. Eu, naquela noite escura, respingada pelo tremular das velas, me encolhia junto à minha mãe. Era um espetáculo sinistro. Um Cristo esquálido retorcido na cruz, rios de sangue brotando dos ferimentos, enquanto mulheres entoavam em tom agônico cantos que pretendiam nos conduzir além das nuvens, ao domínio de anjos e santos, lá onde estariam os limites em que terminavam o mundo e as coisas sabidas pelos homens.

sábado, 26 de janeiro de 2019

É a lama, é a lama, é a lama.




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A tragédia ocorrida em Brumadinho fez com que eu lembrasse uma lição que foi dada a mim e a meus colegas de ginásio por um professor irrequieto e inteligente chamado frei Odorico Durieux, que lecionava língua portuguesa no colégio Santos Antônio, em Blumenau.
Nós fomos em comitiva perguntar ao frei Odorico se ele poderia nos dar aulas particulares, pois estávamos em segunda época e a situação era crítica.
O frade, que era dado a muitos cacoetes, empinou o charuto na boca, enfiou as mãos na manga da batina e de lá retirou um lenço, com o qual enxugou com aflição o suor do rosto e da careca brilhante. E disparou, furioso:
- Vocês não tomam jeito! Só depois de a criança cair no poço, pensam em fazer uma tampa!
Estava dada a bronca, com o que aceitou dar as aulas particulares que nos salvaram, pois naquela época reprovação era para valer.
Pois em Brumadinho ocorre esse fenômeno no qual o Brasil parece se especializar. As tragédias não apenas ocorrem com regularidade como repetem tragédias anteriores. Uma xerox do ocorrido ontem. Um clone do desastre anterior. Um cover do fracasso da véspera.
Em várias situações temos visto a reprise do mesmo filme. Brumadinho replica Mariana, que repete os desabamentos em Niterói, os viadutos que desabam em São Paulo, o incêndio na boate gaúcha.
Os leitores não estranhem misturar um desastre numa boate com o deslizamento de terras ou de lama. Ocorre que, em todos os casos – e são muitos – há a presença de um fator desencadeante único.
Por falta de um cuidado necessário, uma desgraça ocorre. Isso é comum no Brasil, onde se pensa mais em tirar foto da inauguração do que em preservar a integridade do que foi feito. Os bombeiros não vistoriaram a boate Kiss como deveriam. As barreiras não foram avaliadas conforme era norma, tanto em Mariana quanto em Brumadinho. O poço foi deixado sem tampa por alunos displicentes.
Muitos barcos naufragam no rio Amazonas, onde, no entanto, outros barcos continuam saindo rio afora nas mesmas condições de insegurança, sem salva vidas e com superlotação criminosa. E novos desastres ocorrem, é claro.
Não se trata de acidente, portanto. Acidentes são imprevisíveis. Um tsunami ou a explosão de um vulcão ou um terremoto surgem sem controle e sem previsão. Por isso são acidentais.
Essas tragédias brasileiras, aí incluídas quedas de viadutos, o incêndio de um prédio ocupado caoticamente por sem tetos, a boate atopetada de revestimentos altamente inflamáveis, são fatores controláveis aos quais não de se deu a atenção e o cuidado devido.
Mas há outro fator. A leniência não só das autoridades, mas da própria sociedade brasileira, que tem horror às punições. A Vale do Rio Doce, os donos da boate Kiss, os líderes oportunistas do movimento dos sem teto, quem atestou que as represas eram seguras, são os responsáveis pelas tragédias e devem ser punidos, o que não ocorreu nos casos anteriores. Agora será diferente?
Eis o que precisamos mudar no país. Não se trata de questão episódica que envolva picuinhas partidárias ou pseudo-ideológicas; é uma questão visceral, interna à sociedade brasileira, sempre imersa na leniente cordialidade tal como analisou Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.
Enquanto não nos convencermos do valor central do cuidado com a coisa pública e da exigência de que a punição aos que a ferem tem que ser exemplar, estaremos sujeitos à censura de um pequenino frade franciscano chamado frei Odorico, meu professor.
- Tomem tento! ralhava ele.