sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Como instaurar a paz no condomínio






Fazia meia hora que ela estava de olhos arregalados, fixos no teto do quarto. De repente deu um pulo e se agarrou ao ombro do marido:
- Leontino!
O marido acordou atordoado.
- Que foi mulher?!
- Você está ouvindo?
- Ouvindo o quê?
- Esse barulho.
- É secador de cabelo, mulher.
- Claro que é secador de cabelo, Leontino.
- E daí? Quer dizer que o vizinho aí de cima está secando o cabelo.
- Mas isso está esquisito. Onde já se viu, quinze para as duas da manhã e o sujeito secando o cabelo!
- Meu deus do céu, mulher! Me deixe em paz. Quero dormir.
Ele cobriu a cabeça com o travesseiro. Mas ela continuou atenta.
- Leontino! Desligaram o secador.
Ele rosnou, mordendo o travesseiro:
- Se desligou o secador é por que acabou de secar o cabelo. Então, vamos dormir. Não me encha mais a paciência.
- Mas como é que eu posso dormir? Leontino! Leontino! Acorda aí!
- Por quê?
- A gente não sabe o que está acontecendo aí nesse apartamento de cima.
- Mas o que pode ser?
- Eu acho que hoje é o dia em que ele traz a namorada para o apartamento.
- Namorada? Que namorada?
- Você não sabe que ele tem namorada?
- Não. Não sei.
- Leontino, se você visse... Essa namorada não é boa bisca.
- Escuta aqui, Juventina, isso é problema dele. E que história é essa de você falar em “bisca”? Logo você que frequenta encontros na igreja.
- Tá, vendo? Deve ser influência da vizinhança. Só isso explica o que eu tenha usado essa palavra. Más influências.
- Escuta. Eu quero dormir. O sujeito já secou o cabelo. Não sabemos se a namorada está lá. O que não é da nossa conta. Portanto, não me chateie, Juventina. Vá dormir, Juventina!
- Mas como posso dormir com um problema desses sobre nossas cabeças?
- Mas que problema?
- Que tal se ele está lá com a namorada?
- Pode ser. E daí?
- Podem estar fazendo alguma coisa.
- O que ele pode estar fazendo com a namorada? Você já esqueceu?
- Não, eu não esqueci. Você é que anda esquecido. Quem sabe por isso...
- Faça-me um favor!
- Está bem, Leontino. Vou dormir.
Ele virou para o lado, se enrolou feito um caracol. Ela virou para lado oposto, montou outro caracol abraçada ao travesseiro. Não levou quinze minutos.
- Você ouviu, Leontino? Esse barulho. Uma faca caiu no chão!
Ele sentou-se na cama, colocou o travesseiro entre as pernas e o esmurrou a cada sílaba do que dizia:
- E o que nós temos com isso?
- Você não percebe, Leontino?
- Não percebo o quê?
- Crime.
- Que crime?
- Ora, com faca são cometidos crimes.
- Não encha. No máximo ele vai descascar uma laranja.
- Às duas da madrugada?
- Claro. Crimes são cometidos à meia noite. Já passou da hora. Durma bem.
Ele enroscou-se em novo caracol. Silêncio. Passou meia hora. Súbito, do apartamento de cima veio uma gargalhada, duas gargalhadas, uma sucessão de gargalhadas e de gritos.
- Leo?! Leozinho! Você tá acordado?
- Estou, Juju. Você não me deixa dormir.
Ela deu uma risadinha:
- Estou lembrando de umas coisas, Leozinho.
- Eu também, Jujuzinha.
Os dois enroscaram-se num só caracol e assim reinou a paz no condomínio.