sexta-feira, 17 de maio de 2019

Bolsonaro aposta na ignorância



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Há quem se surpreenda com criaturas que optam pela ignorância.
Trata-se de um erro grave pensar assim. Quem pensa dessa forma imagina que a ignorância não proporciona nenhuma vantagem ou conforto ou paz.
Ao contrário do que alguns imaginam, a ignorância é algo sumamente reconfortante, um verdadeiro paraíso. O ignorante não imagina estar diante de algo que o desafie ou que ele precise decifrar com os parcos recursos presentes em sua diminuta mente.
Por uma razão simples: o ignorante já tem tudo resolvido em sua mente. Tudo ali está claro e é óbvio. Ele tem um pequeno depósito de chavões e frases feitas com os quais resolve todos os problemas que possam aparecer. Aliás, o ignorante nem mesmo vê problemas nas questões que o cercam. Na verdade, problemas surgem quando alguém, descontente com suas crendices ou doutrinas, se coloca na posição de questionamento. Ou seja, só haverá problema se houver uma atitude ativa do sujeito que pensa. É a inteligência e a curiosidade que criam o problema e, eventualmente, a solução.
Tudo isso é contrário à atitude do ignorante, com a vantagem de que esse se cansa menos, pois está dispensado de pensar.
Convenhamos ser essa uma atitude oposta a do cientista, que se tortura sempre com as hipóteses contrárias às suas convicções. Um cientista precisa ter uma severa objetividade, deve levantar dados, deve buscar não interferir com seus desejos no processo de conhecimento. Isso significa que o cientista está obrigado a dobrar-se ao que está além de suas crenças.
O mesmo se diga do filósofo (não confundir com divulgadores que vendem o politicamente correto como se fosse pensamento crítico) que reflete sobre tudo que acumulou de conhecimento e o coloca em questão. O símbolo disso é a atitude de Sócrates que dizia “só sei que nada sei”. Ou de Descartes, que chegou a duvidar da própria existência para afinal chegar ao cogito. Ou de Deleuze, para quem a filosofia nos obriga a retornar ao zero de conhecimento - e recomeçar.
Já o ignorante não precisa disso. A ele basta uma crença, que pode vir da tradição ou do partido político com o qual se identificou, dos costumes de sua tribo, dos dogmas de sua religião.
No desgoverno Bolsonaro, vimos essa idiotia encarnada numa ministra que declarou que é preciso abandonar Darwin e colocar em seu lugar a Bíblia, com o que tudo ficará claro e seguro. Nada mais a temer, nenhuma dúvida a infernizar nossos corações.
O próprio Bolsonaro, sendo indivíduo criado na caserna – a qual, é sabido, não se dedica a formar grandes intelectuais, mas homens disciplinados e convictos – disparou uma artilharia contra a evidência de que no dia primeiro de abril de 1964 ocorreu um golpe de estado no Brasil com a implantação de uma ditadura militar.
Sua aposta na ignorância lhe permitiu negar tudo isso sem consultar bibliotecas, sem ler historiadores. O resultado foi um delírio vergonhoso no qual ele chegou a rotular Hitler de socialista. O mundo inteiro (a parte pensante dele) deu gargalhadas do pitoresco presidente brasileiro.
O golpe e a ditadura militar são óbvios nos tanques e tropas saídos de inúmeros quarteis. A ditadura é óbvia pela repressão que instalou: prisões arbitrárias, sumiço de adversários, assassinato de quem se opunha às forças militares. Houve censura estúpida à literatura, ao teatro, ao cinema, à cultura, como se fôssemos bobocas que precisassem de tutela militar para escolher o que pensar, ver, ler ou ouvir.
Enfim, isso está demonstrado por vasta documentação histórica. Basta ler algo além de apostilas dos cursos da Escola Superior de Guerra.
Ou seja, Bolsonaro e sua trupe apostam na ignorância. Mais ainda, ele e seus seguidores desejam cultivar a burrice e a grosseria como armas políticas. Quanto maior o nível de desinformação, tanto melhor para sacramentar delírios verbais em lugar de pensamentos.
Nada como a comodidade de uma cabeça vazia, onde flutuam chavões e prepotência. Não exige esforço, não exige leituras, pesquisas, bibliotecas. Enfim, não exige estudar.
A ignorância é o paraíso das cabeças ocas.






quarta-feira, 15 de maio de 2019

Um espião na sala de aula




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A imagem, de 1970, não me sai da cabeça até hoje. Lá na última fila de carteiras, surgiu um tipo de ombros largos, pescoço grosso, cabelos cortados muito curtos, tudo isso emoldurado por camisa branca e paletó.
Era óbvio. Um agente do serviço secreto invadira minha modesta sala de aula.
Ali eu lecionava, para uma turma de jornalismo, uma matéria chamada Introdução à filosofia, pela qual, aliás, os futuros jornalistas não demonstravam muito interesse. Aos trancos e barrancos eu tocava o barco sem pretensões de formar novos pensadores ou de produzir qualquer revolução sociocultural.
Estava eu cumprindo a minha tarefa quando citei o filósofo Platão. Mal terminei a frase onde encaixara o nome do filósofo grego, e o tipo lá da última fila de carteiras ergueu o braço pedindo a palavra.
Respirei fundo esperando pelo pior. Mas, como é de lei, dei a palavra a ele.
Ele carregou um pouco no tom de deboche e disse:
- Professor, não acha que esse tal de Platão era meio comunista?
Levei um susto, claro. Os alunos saíram da pasmaceira jornalística costumeira e um deles jogou a mão contra a testa. Já era alguma coisa.
Recuperado do susto, eu perguntei:
- Veja... como é mesmo o seu nome?
Ele agitou-se na cadeira e disse que ainda não se matriculara.
- Mas tem um nome, claro.
Ele disse que sim, mas não declinou o nome. Devia ser mesmo um agente secretíssimo. Fui em frente.
- Olha, meu caro, Platão viveu no século IV antes de Cristo e as ideias comunistas só passaram a circular no século XIX depois de Cristo. Uma distância de uns vinte e três séculos.
Ele se retesou na carteira.
Continuei:
- Assim, por mais brilhante que fosse a mente de Platão, ele não poderia prever o que aconteceria vinte e três séculos depois. Enfim, nem mesmo a palavra comunismo fora inventada. Além disso, o que será “meio comunista”?
Silêncio tumular na sala e uma cara de fera enjaulada por parte do sujeito.
Nos anos da ditadura militar estávamos sujeitos a esses constrangimentos - e a outros, piores. Não era raro surgirem nos corredores da universidade tipos de cabelo escovinha, fortões e sisudos, que entravam em salas de aula ou onde houvesse alguma palestra. E lá ficavam com olhos tensos em busca de perigosos comunistas.
Depois saíam de fininho rumo a alguma saleta do DOPS para anotar em fichas o que haviam conseguido em sua perpétua luta contra os perigos do pensamento filosófico, do qual, é claro, não entendiam coisa alguma.
Nos dias que correm, já tivemos um ministro que gostaria de vigiar conteúdos de aula e transformar professores em espiões de perigosos agentes da subversão, os alunos. Esse ministro se foi, trocado por outro de igual truculência. Além disso, o presidente anunciou o desejo de fulminar, a golpes de cortes no orçamento, o estudo da Filosofia e da Sociologia. Vejam só: a Filosofia tem pelo menos 25 séculos de vida e ele quer acabar com ela por decreto.
Já imaginaram a pobreza intelectual à qual seríamos condenados?
Se, com as liberdades vigentes, não se consegue deslanchar a educação no Brasil, o que será de nós sob a vigilância de tipos como aquele da última fila de carteiras?