segunda-feira, 13 de agosto de 2018

As mulheres, sempre as mulheres







Nem o olhar mais distraído deixa de perceber que, entre os filósofos, as mulheres sempre estiveram, para usarmos de delicadeza, em segundo lugar.
Alguns deles foram acidamente críticos quanto ao chamado belo sexo. Schopenhauer dizia que seriam seres de cabelos longos e ideias curtas. Vale lembrar que ele é, entre todos os filósofos, o mais rabugento, sendo que a rabugice não é rara entre essas criaturas que se dedicam ao pensamento abstrato. Compreende-se assim sua aversão ao feminino. Afinal, mulheres são seres concretos. Muito concretos. Demasiadamente concretos, segundo alguns.
Lembro-me de uma charge de Millôr Fernandes na qual a mulher de Pitágoras lhe passa uma esculhambação:
- Mas que bobagem é essa que você rabiscou aqui na toalha de mesa?! Que droga é essa de que o quadrado da hipotenusa é a soma de não sei quê?
Se as mulheres são seres concretos, os filósofos são criaturas cuja cabeça parece errar (nos dois sentidos) quilômetros acima do chão no qual pisamos.
Como, graças aos céus, tenho leitoras do sexo feminino, devo alertar que não estou criticando essas doces criaturas – estou em sua defesa, por isso falo (sem duplo sentido) dos seus inimigos e as defendo como posso.
É bom lembrar que nascemos de uma mulher, tendo ficado nove meses em seu ventre, lugar seguro e quentinho e de onde fomos retirados a custa de muito suor e lágrimas. E cabe dizer que somos criaturas indefesas, salvos pelas mulheres de morte certa.
Vejamos. Entre os animais, os recém-nascidos têm como se defender. As girafinhas nascem com pernas enormes, mas de imediato se colocam de pé. Cães e macacos nascem sabendo nadar e as tartaruguinhas chegam ao mundo sabendo onde está o mar. E enfrentam as ondas com a classe de um surfista tarimbado. Um recém-nascido humano morre em seguida se não for acolhido pelo colo de uma mulher. Se depender de um homem, salvo casos raros, terá problemas.
Somados, passamos mais tempo junto delas do que deles – o que, devo admitir, é uma delícia.
Freud, sólido germânico, além de ter dito, já no final da vida, que não sabia o que queriam as mulheres, inventou de atazaná-las com suas ideias a respeito do que chama de inveja do pênis. Ou seja, as mulheres se sentiriam inacabadas e sem os poderes que um pênis lhes daria. Fantasias, é claro, delas e do Freud.
Como podem ver, acho que as mulheres foram um grande achado. Mas ando ruminando coisas na minha pobre cabeça. Me refiro ao tal empoderamento. Começa que, do ponto de vista estético, é um palavrão de mau gosto. É pesado, sólido, parece um bloco de concreto armado desabando em plena conversa.
Imitar o que há de pior nos homens não me parece boa ideia. Poder é coisa masculina e temo que seu sucesso permitiu aos homens compensar sua eterna dependência das mulheres. Sentem-se poderosos e posam de donos do mundo.
Enfim, as mulheres poderiam encontrar conceito melhor para garantir a sua, a meu ver, inegável excelência.
Em resumo, Schopenhauer e Freud não sabiam de nada.




quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O mundo não começou quando você nasceu.







As frases feitas podem até mesmo ser interessantes em alguns casos, mas não é raro que escondam uma visão simplista do mundo.
No mundo pré-Facebook, acontecia de alguém comentar a respeito de um livro ou artigo de jornal e perguntar se os que participavam do papo haviam lido.
Como se vê, era um mundo diferente. As pessoas participavam de papos ao ar livre, geralmente em calçadas, sendo que algumas delas liam livros e os colocavam em discussão com os amigos.
Mas sempre havia na roda um tipo posudo, metido a leitor, que, enquanto os demais respondiam se haviam lido ou não, se emplumava e dizia:
- Já vi, sim.
Já viu? Como assim? eu perguntava, pois já nessa época eu era dado a perguntas impertinentes.
Ocorre que o tipo não aceitava dizer que não lera, mas também não podia se comprometer dizendo que lera, pois poderia se ver desafiado a falar sobre o livro.
Então, despistava. E, como era comum na época, acendia um cigarro e jogava a fumaça para o alto, desfazendo da conversa.
Hoje, lamento informar, a coisa continua a mesma, apesar das diferenças de época.
É o caso do famigerado "curtir" que acompanha textos e fotos no Facebook. Foi postado, por exemplo, um texto ou um comentário sobre um livro, discutindo tal assunto, e lá está o ícone salvador: curti. Basta aproximar o mouse e clicar. Pronto, curtiu. Não leu, é claro, embora alguns leiam. Não tem nada a acrescentar, mas faz de conta que está por dentro. Portanto, viu.
Sei de sujeitos que colecionam curtidas. Dizem:
- Meu post recebeu tantas curtidas.
E dizem isso com orgulho evidente. No mundo da rede é comum encontrarmos sites que tiveram curtidas na casa dos milhares e milhões. Claro, normalmente a respeito de bobagens. Questões mais sérias ou textos mais robustos não merecem tantas curtidas.
Assim segue o mundo. Dizem que Marx – o Karl, não o Groucho – ao ler as tragédias gregas, se surpreendeu com o fato de que, dois mil anos depois, tendo sido escritas em uma sociedade com estrutura e organização social completamente diferentes, ainda fossem inteligíveis, ainda sábias, ainda divertidas, capazes de nos comover, de nos levar ao riso ou ao choro.
Embora suas próprias teorias o impedissem de achar uma resposta, Marx humildemente reconhecia valor e sensibilidade rara nos escritores da Grécia clássica. Já os habitantes do século XXI, internautas entre eles, descartam a questão e fulminam o passado:
- Isso não é do meu tempo.
Trata-se de uma ignorância bestial. Para essas criaturas, o mundo iniciou no dia em que elas nasceram.
É por isso que para elas basta curtir.
Por exemplo: o sujeito curte uma foto – mas a foto é de um incêndio ocorrido em Portugal ou de um vulcão que explodiu na Guatemala. Isso significaria que curtiu o incêndio devastador, a desgraça havida, a arte do fotógrafo, ou apenas deixou um recado: “estive aqui”?
Creio que se trata do último caso. A ligeireza com que os olhos sobrevoam fotos e textos na internet, misturando datas e nomes ou aproximando ideias e conceitos irreconciliáveis como se fizessem parte da mesma lógica, é espantosa.