quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Como governar em pé de guerra ou A política segundo Bolsonaro



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Não direi nenhuma novidade, pois todos sabem que vivemos, os brasileiros, aos trancos e barrancos, na expressão feliz de Darcy Ribeiro. A cada dia, somos torpedeados por novas teorias alarmistas, ameaças de lado a lado, fossos cavados entre as fronteiras impossibilitando um rumo para o país. O que se entende por política se reduz a um xingamento mútuo, governantes e militantes se comportando como moleques de rua trocando desaforos. E os oráculos das duas facções não se cansam de colocar mais gasolina na fogueira. Afinal, é a arma da guerra.
Algum desavisado pensaria que os sobressaltos dessa montanha russa resultariam de alguma conjunção dos astros, algo a ver com as fases a lua, ou, quem sabe, resultado de uma maldição lançada pelos deuses.
Não se trata disso.
Note-se que o Jair agora está apresentando um projeto ao Congresso, necessário, segundo ele, para o enfrentamento dos movimentos de protesto. Para enfrentar tais ondas de protesto, que são até agora puro delírio do Jair, o governante pretende se encher de poderes para baixar o sarrafo nos descontentes.
A verdade é que o presidente precisaria entender que movimentos de protestos são episódios frequentes nas democracias, sendo detestáveis apenas aos olhos de tiranos de ópera bufa. Vejam que na França ninguém está propondo novas legislações para trancafiar em masmorras os gilet jaune. A pancadaria come de lado a lado, o confronto está nas ruas, mas, terminados os protestos, todos voltam a seus afazeres e seguem a discussão no dia a dia, até que novo apito da panela de pressão exija nova pancadaria nas ruas.
Não é assim com o governo do Jair. Diante da possibilidade futura de confrontos como os do Chile, ocorreu ao Jair sacar de seu coldre de ideias curtas um decreto que aprofunda o fosso entre governantes e governados.
Não bastasse – e mostrando que os trancos e barrancos são planejados – o ministro Guedes chamou para a dança o fantasmagórico AI5. O resultado foi a disparada do dólar. Alguém acha que, com a formação de economista que o ministro tem, ele teria dito diante de jornalistas e câmeras e microfones o que disse sem avaliar as consequências? Como diz o povo: foi de caso pensado.
Temos aí uma série de erros grosseiros. O mais grave sendo a ameaça do fantasma do AI5, que tem sido inflado por quem julga que política é uma espécie de briga de boteco.
Mas a razão do uso de tal recurso é manter de pé o anúncio de que tudo só se resolverá com um regime ditatorial.
Tal concepção política não é acidente ou esquisitice de ministros e governantes desorientados. É parte de um plano muito bem urdido e conduzido com obstinação pelo Jair e seus comandados.
Em primeiro lugar, cria-se o pânico. Os pretextos podem ser diversos, sejam as  inexistentes manifestações nas ruas ou um decreto qualquer. Em seguida, asseclas disparam ameaças de possível retaliação dos inimigos. Acionado o alerta, os partidários ficam em prontidão enquanto porta-vozes improvisados desmentem o que mentiram e outros desmentem as mentiras dos desmentidos.
Guedes, ágil Pinóquio, desmentiu-se a si mesmo, dizendo que a fala sobre o AI5 era para ficar só em off.
Despistes cujo objetivo é de molde militar.
Por uma razão simples. A visão de política e de governo que têm os militares é calcada no modelo da guerra. Eles, os militares, são homens feitos e moldados para a guerra. É a guerra que dá sentido às suas existências. A guerra é o meio no qual eles se sentem bem. Trata-se do binarismo bélico: de um lado nós e, do outro, eles.
Mas, na ausência de guerra e de inimigos externos, toda mentalidade autoritária converte sua própria população em inimigo. Pois é preciso que haja um inimigo, verdadeiro ou falso. É preciso que esse inimigo seja temível. E é preciso manter inimigos e população em estado de guerra e de prontidão.
Uma prova claríssima disso foi a proposta de reforma da previdência que contou com a encenação do ministro Guedes, estufado de fúria e falta de educação, ao enfrentar o Congresso, conseguindo produzir tumulto nas discussões, no que foi auxiliado por políticos da assim chamada oposição. Como consequência, tanto a população como muitos políticos ficaram atarantados, sem saber exatamente no que a tal reforma consistia.
Como fecho final, a aprovação da reforma pelo Congresso (com emendas que o governo não desejava), não teve por parte dos seus defensores a comemoração apoteótica que haviam planejado, pois Jair gostaria de uma reforma de autoria monolítica, dele e do Guedes.
Por isso os estrategistas do Planalto dispararam novas leis e projetos retumbantes. É preciso, como se vê, manter o país ocupado e de prontidão.
E a paz social?
Ora, como talvez dissesse o Conselheiro Acácio, nada mais contrário à paz do que a guerra.
Bom, nesse caso teria toda razão.