quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Manoel de Barros





Manoel de Barros faleceu hoje, 13 de novembro, uma quinta-feira de espantos. 97 anos de deslumbramento com todas as miudezas do mundo. Uma das netas do poeta disse – e outros repetiram – que ele não morreu. Que virou passarinho. Eu acho que não. Ele já era passarinho. Virou um poema sem-fim nem começo coreografando lonjuras. Perto de nós para todo o sempre.
Transcrevo um poema:



AUTORETRATO

Ao nascer eu não estava acordado, de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros.
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(Posso fingir de outros, mas não posso fingir de mim.)
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamento e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito o mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio – sem moscas
na boca descampada!



Um comentário:

  1. guilhermina moeckel cavalli21 de novembro de 2014 às 14:19

    Meu caro cronista, não sei onde há mais poesia - se no poema do Barros, se na sua nota introdutória.


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