Manoel de Barros faleceu hoje, 13 de novembro, uma
quinta-feira de espantos. 97 anos de deslumbramento com todas as miudezas do
mundo. Uma das netas do poeta disse – e outros repetiram – que ele não morreu. Que
virou passarinho. Eu acho que não. Ele já era passarinho. Virou um poema sem-fim
nem começo coreografando lonjuras. Perto de nós para todo o sempre.
Transcrevo um poema:
AUTORETRATO
Ao nascer eu não
estava acordado, de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um
rio.
Depois já morri 14
vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros.
E deles estou
livrado.
São todos
repetições do primeiro.
(Posso fingir de
outros, mas não posso fingir de mim.)
Já plantei dezoito
árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamento e palavras
namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos,
35, mas pode que onze.
Cito o mais
bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de
amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que
farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão:
noventa por cento do que
escrevo é invenção;
só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no
barranco de um rio – sem moscas
na boca descampada!
Meu caro cronista, não sei onde há mais poesia - se no poema do Barros, se na sua nota introdutória.
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