
Como escreveu o poetinha
Vinicius de Moraes,
“A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos
salvar.”
Quanto ao primeiro verso
não há dúvidas, mas o terceiro desperta controvérsias. Não podemos ter certeza de
que estejamos salvos, mas é verdade que a vida vem em ondas como o mar.
Por exemplo, a Lava-Jato.
Chegamos à décima nona investida das ondas sobre as praias do Brasil. Somadas,
dariam um tsunami. Vindas assim, de uma em uma, vão acumulando cansaço e algum
tédio. Mal assimilamos uma dessas vagas, outra nos surpreende de calça curta à
beira mar. Sequer decoramos os nomes dos ilustres presidiários da última
arribação, surgem outros para exigir de nossa memória. E a vida segue.
E não vale perguntar: já
prenderam os chefes? O Brasil, como é sabido, não produziu romances policiais
de mérito. Nada comparável a Arthur Conan Doyle, Georges Simenon, Agatha
Christie, nem mesmo algo que alcance aqueles livrinhos que eram comprados –
ainda são? – nas bancas de jornal com as deliciosas histórias de Shell Scott, o
cínico herói de Richard S. Prather,
com seus cabelos brancos cortados em escovinha e sua cicatriz na face. O Brasil
é um país onde Ali Babá e os quarenta ladrões jamais seria escrito. Seriam
apenas Os quarenta ladrões. Aqui não tem Ali Babá. Os Chefes seriam eclipsados.
Aqui, Al Capone terminaria seus dias sozinho, com todos seus asseclas presos,
mas estaria solto.
Assim, são impossíveis
romances policiais no Brasil. Apenas vemos as ondas chegarem à praia numa
sucessão infindável. Mas dizem que somos o país da esperança. Esperemos.
Enquanto isso, o cenário
político se movimenta da mesma forma. Renan e Cunha seguem fazendo tropelias e,
citados em processos, não abandonam seus cargos. Ao contrário, mandam e
desmandam. Boicotam o que podem, não por convicção, mas por pilantragem,
criando problemas para inimigos e aliados. E sobrevivem.
Além deles, há um vice,
Temer, que vegeta na moita, como todos os vices, mas de olho na sua chance
histórica. Diz uma coisa, outra, se desdiz, sem perder a pose sinistra de
vampiro.
E Dilma continua na dança
da barata tonta, tal como um capitão de navio que afunda. Mas que continua
atirando, inclusive nos próprios pés. A cada pronunciamento surge uma mandioca,
uma meta que será dobrada ou não, e essa joia da retórica: “eu queria dizer...”
E nunca diz, é claro. A luta com as palavras é a luta mais vã, já dizia
Drummond, noutro nível e com outras intenções. Como a presidente não é nenhuma
poeta, se limita a discursos defensivos, retórica inventada por Lula: eu não
sabia. E acusa inimigos de serem pessimistas, o que a ditadura militar também
fazia.
E as chamadas esquerda e direita
seguem na mesma batida. A esquerda rosna e a direita late. Não produzem ondas,
só marolas. Professores universitários criam textos cada vez mais torturados tentando
prever o passado. Mais do mesmo. Fantasias sobre os rumos inevitáveis da história.
E sujeitos irados da direita tumultuam berrando que seus adversários são
comunistas (KKKKKK, para usarmos um termo técnico do Face Book). Querem que
sejam mandados para Cuba, quando Cuba afinal está – com décadas de atraso –
tentando sair do atoleiro no qual crenças maníacas a colocaram.
Aliás, esperança era o que
se projetava quando da ascensão do PT ao poder. Uma geração de iludidos, entre
os quais me incluo, suspirou: lá viriam afinal novos tempos, apesar dos
pesares. Não vieram. Veio o avesso do avesso.
Perdemos uma grande oportunidade
histórica e cá estamos a remar contra a maré. Lula perdeu a oportunidade de se
tornar um estadista capaz de dar uma direção honesta e justa às coisas
políticas brasileiras, e os brasileiros perderam o paraíso no qual esperavam chegar.
Por isso a grande síntese
dessa triste quadra da vida brasileira é a carta publicada ontem, 20/09, no
jornal Folha de São Paulo. Foi
escrita por Antonio Tito Costa e dirigida a Lula. Tito Costa, líder político,
defensor de Lula no ABC dos tempos de resistência à ditadura militar, prefeito
de São Bernardo, do alto de seus 92 anos, concluiu assim a carta, sintetizando
o estado político e emocional em que todos nós brasileiros nos encontramos:
Como bem lembrou
Frei Betto, seu amigo e colaborador, você, liderando o Partido dos
Trabalhadores, abandonou um projeto de Brasil para dedicar-se tão somente a um
ambicioso e impatriótico projeto de poder, acomodando-se aos vícios da política
tradicional. (....)
Por isso, meu caro
Lula, segundo penso, você perdeu a oportunidade histórica de se tornar o
verdadeiro líder de um país que ainda busca um caminho de prosperidade,
igualdade e solidariedade para todos. Alguma coisa que poderia beirar a utopia,
mas perfeitamente factível pelo poder político que você e seu partido detiveram
por largo tempo.
Agora,
perdido o ensejo de sua consagração como grande liderança de nossa história
republicana recente, o operário-estadista, resta à população brasileira o
desconsolo de esperar por uma era de dificuldades e incertezas.
PS: quem quiser ler a íntegra da carta de
Tito Costa, clique aqui.
Um belo texto, como todos os demais do Roberto. Minha memória viajou, saudosa, pelos livros mencionados, especialmente os de Shell Scott, cujo nome já havia esquecido. Faltou um nome, dentre os livrinhos que eu lia, que coloco aqui por mérito: Brigitte Montfort e seu famoso champanhe Don Perignon. Abraços.
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