
Muhammad
Ali faz parte de uma lista de sujeitos – e declaro que não são muitos - pelos
quais tenho grande e confessada admiração. Assistir suas lutas – na época a
televisão as transmitia para o mundo todo – era um espetáculo não só de boxe,
mas de espírito de luta, de dignidade, de irreverência, de autoafirmação contra
racistas, de coerência e de beleza atlética. E de humor.
Ali
era um colosso como figura humana, seja do ponto de vista físico seja do ponto
de vista humano. Um personagem raro. A meu ver foi o último a incorporar o
ideal clássico do boxe: lutar de pé, usando apenas as mãos, respeitando áreas
do corpo que possam ser fatais ou muito, digamos, doloridas. A nobre arte, dizia-se.
Mas
ele era mais do que isso. Era debochado, gozador, irreverente, autoconfiante. Não
tinha papas na língua. Provocava os adversários e, sendo um exímio tagarela, ganhava
todas as discussões. Chamou Sonny Liston, o campeão do momento, de “urso velho,
grande e feio”. E não cometia a hipocrisia de dizer-se modesto.
Era, já naquele momento, contra essa tolice chamada de politicamente correto:
se considerava simplesmente o homem mais forte, o melhor lutador e o homem mais
bonito do planeta. E dizia isso fazendo caretas malandras e dando gargalhadas.
E o diabo é que era mesmo o mais bonito, o mais forte e o melhor boxeador do
planeta.
The
best, ponto final. Sobretudo porque, nos EUA do século XX e diante dos
preconceitos que o rodeavam, ele personificava uma luta permanente contra o
racismo. E lutar contra racistas naquele momento era arriscar a própria vida. Uma
tarefa para gigantes. Além disso, contra o instinto belicista dos EUA, recusou-se
a ir para o Vietnam matar seres humanos que não julgava inimigos, um povo que
nunca tinha feito nada contra ele. Ou, como declarou: “eles nunca me chamaram
de crioulo”. Então, por que ir para a guerra para matá-los? Recusou-se e pagou
um preço altíssimo. Perdeu títulos, dinheiro, quase tudo.
Mas
manteve algo que não tem preço. O senso da própria dignidade. Como um homem
negro e como um ser humano livre e independente. Não se rendeu. Continuou a
lutar e recuperou seus títulos. E protagonizou aquela que foi a maior luta de
todos os tempos: ele contra George Foreman, que deu agora mostras de ser também
um grande caráter, ao dizer que com a morte de Ali, que o venceu na célebre
luta no Zaire, morria a melhor parte dele mesmo.
Ali
é um signo de saúde mental e pública diante desse mundinho atual de pequenos
chefetes políticos, de demagogos vendidos, de empresários oportunistas, de arrivistas
gananciosos, de gente que cala e consente, de covardes que negam à tarde o que
disseram pela manhã, gente que todo mundo sabe que são ladrões e corruptos, mas
que se declaram santos na cara limpa. Esse mundinho não teria vez com ele.
Era
um dos grandes. Um homem forte e digno. Um corpo perfeito e uma mente lúcida. Uma
metralhadora nos punhos e na ponta da língua. Um homem que assumia
integralmente o que pensava. Que se arriscava pelas causas nas quais
acreditava. Um bailarino elegante em cima do ringue que era também elegante na
vida. Um irreverente. Um tipo que não se dobrava. Ao contrário, que dobrava a todos
que se metiam no seu caminho. E, se caia, levantava-se.
Enfim,
fará falta, mas viverá na memória de muitos que tentarão evitar que ele tenha
sido representante de uma espécie em extinção.
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