Fazia
meia hora que ela estava de olhos arregalados, fixos no teto do quarto. De repente
deu um pulo e se agarrou ao ombro do marido:
-
Leontino!
O
marido acordou atordoado.
-
Que foi mulher?!
-
Você está ouvindo?
-
Ouvindo o quê?
-
Esse barulho.
-
É secador de cabelo, mulher.
-
Claro que é secador de cabelo, Leontino.
-
E daí? Quer dizer que o vizinho aí de cima está secando o cabelo.
-
Mas isso está esquisito. Onde já se viu, quinze para as duas da manhã e o
sujeito secando o cabelo!
-
Meu deus do céu, mulher! Me deixe em paz. Quero dormir.
Ele
cobriu a cabeça com o travesseiro. Mas ela continuou atenta.
-
Leontino! Desligaram o secador.
Ele
rosnou, mordendo o travesseiro:
-
Se desligou o secador é por que acabou de secar o cabelo. Então, vamos dormir.
Não me encha mais a paciência.
-
Mas como é que eu posso dormir? Leontino! Leontino! Acorda aí!
-
Por quê?
-
A gente não sabe o que está acontecendo aí nesse apartamento de cima.
-
Mas o que pode ser?
-
Eu acho que hoje é o dia em que ele traz a namorada para o apartamento.
-
Namorada? Que namorada?
-
Você não sabe que ele tem namorada?
-
Não. Não sei.
-
Leontino, se você visse... Essa namorada não é boa bisca.
-
Escuta aqui, Juventina, isso é problema dele. E que história é essa de você falar
em “bisca”? Logo você que frequenta encontros na igreja.
-
Tá, vendo? Deve ser influência da vizinhança. Só isso explica o que eu tenha
usado essa palavra. Más influências.
-
Escuta. Eu quero dormir. O sujeito já secou o cabelo. Não sabemos se a namorada
está lá. O que não é da nossa conta. Portanto, não me chateie, Juventina. Vá
dormir, Juventina!
-
Mas como posso dormir com um problema desses sobre nossas cabeças?
-
Mas que problema?
-
Que tal se ele está lá com a namorada?
-
Pode ser. E daí?
-
Podem estar fazendo alguma coisa.
-
O que ele pode estar fazendo com a namorada? Você já esqueceu?
-
Não, eu não esqueci. Você é que anda esquecido. Quem sabe por isso...
-
Faça-me um favor!
-
Está bem, Leontino. Vou dormir.
Ele
virou para o lado, se enrolou feito um caracol. Ela virou para lado oposto,
montou outro caracol abraçada ao travesseiro. Não levou quinze minutos.
-
Você ouviu, Leontino? Esse barulho. Uma faca caiu no chão!
Ele
sentou-se na cama, colocou o travesseiro entre as pernas e o esmurrou a cada
sílaba do que dizia:
-
E o que nós temos com isso?
-
Você não percebe, Leontino?
-
Não percebo o quê?
-
Crime.
-
Que crime?
-
Ora, com faca são cometidos crimes.
-
Não encha. No máximo ele vai descascar uma laranja.
-
Às duas da madrugada?
-
Claro. Crimes são cometidos à meia noite. Já passou da hora. Durma bem.
Ele
enroscou-se em novo caracol. Silêncio. Passou meia hora. Súbito, do apartamento
de cima veio uma gargalhada, duas gargalhadas, uma sucessão de gargalhadas e de
gritos.
-
Leo?! Leozinho! Você tá acordado?
-
Estou, Juju. Você não me deixa dormir.
Ela
deu uma risadinha:
-
Estou lembrando de umas coisas, Leozinho.
-
Eu também, Jujuzinha.
Os dois enroscaram-se num só caracol e assim reinou a paz no condomínio.
Os dois enroscaram-se num só caracol e assim reinou a paz no condomínio.
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