Máxima do dia:
O Flamengo é igual à Mangueira:
é sempre campeão, mesmo quando perde.
Máxima do dia:
O Flamengo é igual à Mangueira:
é sempre campeão, mesmo quando perde.
Escrevo nesse 31 de dezembro de 2020, uma quinta-feira ensolarada.
Confesso que
fico pensando se não teria coisa melhor a fazer do que batalhar com os
fantasmas que ameaçam a vida e a paciência dos brasileiros.
Mas vamos lá. Há
que vencer o tédio.
Tais fantasmas
se resumem a duas assombrações. De um lado o covid-19, que assombra não apenas
o Brasil mas a todos os habitantes do planeta, que se veem indefesos nessa luta
desigual.
Já o outro
fantasma a nos assombrar é originalidade brasileira, prata da casa, gestada nas
casernas e com dinheiro público: o Jair e seus delírios em praça pública,
lutando contra evidências médicas, contra estudos de institutos internacionais,
negando tudo que possa lembrar cultura e civilização. Além, é claro, de
disparar contra qualquer sinal de vida inteligente e democrática que nos reste.
Mas vejamos o
que se refere ao covid-19.
Na década de 1950
o cinema norte-americano assombrou o mundo com filmes em que havia, sempre, um
monstro imenso a espalhar malvadeza e morte pelo planeta terra. Nesse caldo
foram gestados os super-heróis.
O mundo saía da segunda
grande guerra e era preciso exorcizar os fantasmas que habitavam as cabeças
assustadas dos terráqueos. Assim, muitas dessas ameaças, vinham de outros
mundos, outros planetas, e eram impiedosas: dizimavam a vida terrestre e se
mostravam invencíveis.
Um desses filmes,
de 1958, foi A Bolha Assassina.
Foi refilmado em
1988, mas essa duplicata não vale nada. A de 1958 vale não como cinema, mas
como registro de um clima social-psicótico.
Com recursos que
hoje nos parecem risíveis, a tal Bolha Assassina circulava a rolar pelo mundo alimentando-se
de seres humanos desprevenidos, dos quais se aproximava sorrateira e os fritava
e engolia com prazer sádico. Esses,
aliás, só faziam correr, pois eram inúteis suas metralhadoras e explosivos.
A Bolha se
recuperava de todos os ataques e ia em frente, fritando saborosos seres humanos
com um apetite de anteontem.
O que fazer? Como
se livraram dela? Eis o que já não lembro. Ainda não tive tempo de rever o
filme. Ademais, mesmo que soubesse não o revelaria aqui para não estragar a experiência
dos leitores, caso se interessem pelo tema.
Essa Bolha Assassina
é o covic-19. É quase um extraterrestre, é traiçoeiro e sorrateiro e mata sem
piedade, embora o Jair tenha desprezado o vírus como uma gripezinha sem importância.
Diante dela,
temos pouco a fazer, senão correr como os terráqueos da década de1950 – no caso
atual, nos trancafiamos dentro de casa como último refúgio esperando que os
cientistas descubram as vacinas que nos librem desse mal.
Mas o segundo
encontro de Jair com seu destino, são suas agressões cada vez mais evidentes
aos alicerces de um regime democrático. Não podemos imaginar que Jair haja de
forma aleatória. Não. Ele sabe o que agride e onde bate. Basta olharmos seus primeiros
delírios, logo após a posse, para encontrarmos o espírito ditatorial e
reacionário do Jair. Desde as agressões – que alguns imaginavam tolices de
juventude – que foram desferidas contra o STF e o Congresso, lá está, inclusive
com presença física, o indefectível fascista Bolsonaro.
Em seguida os
manifestantes pro Jair, reuniram meia dúzia de irresponsáveis (pagos?) para
desfilar frases de ódio às diferenças, à democracia, aos poderes constituídos,
até que o presidente do STF os chamou às falas e eles se recolheram à
obscuridade de onde vieram, tal como a Bolha Assassina, ainda que com menos
poder do que a tal Bolha.
Jair assumiu então o papel de agressor imaginando que ninguém revidaria ao presidente. E passou a desferir, desde aquele cercadinho do palácio do Planalto, frases boladas por sua equipe, e que permitiam a que ele desfiasse supostas denúncias contra os inimigos de seus cinquenta e tanto milhões de votos.
Ora, o suposto
do Jair é de que é preciso denunciar os
poderes legislativo e judiciário, mais as entidades de classe, a liberdade de imprensa
etc. que são o que emperra a ação do executivo para realizar uma verdadeira revolução
no Brasil. O excesso de liberdade da imprensa, por exemplo. O espírito “esquerdista”
dos professores. O destemor de intelectuais que contestam sua sapiência de
eleito. Esse é o ideal fascista do Jair, desequilibrar todos os poderes, mirar
todas as forças de resistência existente na população, para se investir como
Führer da pátria.
No entanto, lá
onde Jair conseguiu – demitindo ministros, por exemplo - impor suas vontades e
suas “ideias” as coisas não andam. A inflação ronda, o apoio da população
diminui, o desemprego cresce e resiste. A corrupção se espalha, a mesma que ele
disse que acabou. Ora, não só não desapareceu, como está, sorrateira tal como a
Bolha Assassina, rolando na direção dos pés do presidente, dos pés de seus
filhos, de sua mulher, dos amigos mais chegados, de milicianos antes
intocáveis.
Mas Jair já não
pode recuar. Por isso avança sobre o Legislativo, oferece cargos e benesses. Quer
eleger a presidência dessas duas casas. O poder direto exercido pelo grande líder
fascista é outro dos princípios do Jair. Atacado o Legislativo, certamente
avançará rumo ao Judiciário, impondo nomes e currículos suspeitos etc.
Eis o Brasil.
Eis a Bolha Assassina.
Ou criamos uma
frente de combate efetivo aos avanços das tropas fascistas do Jair, ou ele
seguirá nos engolindo um a um e soltando, ao final, como a Bolha Assassina, um arroto
de desprezo.
Quousque tandem
abutere, Catilina, patientia nostra?
As tiradas grosseiras do Jair
me fazem lembrar uma máxima de Eça de Queiroz, o notável escritor português,
segundo a qual “políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos e
pelo mesmo motivo”.
Acertou na mosca, o gajo.
É verdade que, no caso dos
problemas a resolver, a república brasileira tem para todos os gostos. O Guedes
lamenta não ter vendido nada na sua quitanda barateira de estatais. Nas ruas, o
povo reclama que o arroz está caro, que a inflação ataca à sorrelfa, corroendo
salários. Em certos casos falta luz aqui, água acolá, sendo que milicianos
tomam conta de mais de metade de grandes cidades.
Mas quero falar de um problema
que é um problemão.
É um caso triste e chato,
reconheço, mas que precisa se enfrentado.
O dito senhor Jair está, sabemos
pelas redes sociais, no limite do estresse.
O pobre homem está a cada dia
desempenhando papéis os mais ridículos e tendo ideias, as mais estúpidas. No início,
tropeçava a cada três palavras, agora há um desencontro sem conserto de
palavras e frases sem sentido que resultam em disparates. A sua tática
conhecida de inventar uma polêmica provocativa e inútil para desviar a questão
dos problemas reais já não está funcionando. O pobre coitado está perdido.
Não acerta uma. Fez alarde com
a delirante ideia de colocar uma arma na mão de cada brasileiro, talvez com o
intuito de que se matassem entre si. A ideia não andou e muitos brasileiros
ainda continuam vivos e operantes. Mas Jair não desiste.
Anunciou que
formaria um super ministério. Não conseguiu. De super, o ministério não tinha nada
além de militares numa quantidade assombrosa de condecorações e medalhas. Foram
comandar a saúde, a educação, os transportes, sendo que a economia ficaria com
um super Guedes, que acabou se revelando não um posto Ipiranga de soluções, mas
um poço sem fundo de equívocos embaraçosos. Pequenino de talhe e de conexões
neurais, acumula trapalhadas, uma delas a ressureição da CPMF, de triste
memória, e que acabou, como todas as ideias do desastrado Jair, falecendo precocemente.
Colocou na
Educação um tipo sem qualquer educação. Na Cultura outro sem uma gota de verniz
cultural. Trocou o infeliz por uma por uma atriz, o que resultou no maior
fiasco, com direito a pum de palhaço. Jair mandou todos embora e colocou no
lugar uma tropa equivalente.
E lá vai Jair nos
seus descaminhos. O que acabou lhe rendendo uma enorme descoberta: como não tem
qualquer competência ou talento para governar um país, ele descobriu um novo
método: a cada dia inventa uma espécie de pílula provocativa e a entrega ao
povo para seu deleite.
E tudo acaba na desconversa de
sempre.
Mas acho que todos esses
problemas são pequenos diante do maior deles. Em resumo, o problema central e
definitivo é esse: o que o Brasil vai fazer com o Jair?
Os brasileiros, mais cedo ou mais
tarde, terão que decidir o que fazer com esse senhor que está no meio da
avenida atrapalhando o trânsito.
Essa é a questão: o que se
pode e deve fazer com o Jair?
No momento o pobre homem está cada
vez mais perdido, como sempre afastando auxiliares pelos quais era capaz de
jurar a maior fidelidade.
Brigou com velhos companheiros
que chegaram a ser ministros e confidentes. Deu a todos o destino que os
tiranos costumam dar àqueles que subiram ao poder com eles, mas que, por isso
ou aquilo, resolveram experimentar autonomia de voo. Receberam o troco: foram
fritados em praça pública, viraram tipos desprezíveis. Um a um eles foram
caindo. Permanecem nos cargos alguns que têm a virtude de não discordar de nada
e obedecer sempre.
Agora, para completar a lista
tenebrosa dos infortúnios do Jair, o seu suposto amigo Donald Trump, no qual
Jair apostava todas as fichas, foi derrotado nas eleições presidenciais e,
embora esperneie, vai mesmo sair da Casa Branca ou ser retirado de lá à força.
Ou seja, Jair está abandonado.
Perdeu seu padrinho e mestre, aquele a quem Jair declamou um ridículo “I love you”. A numerosa comitiva que o
acompanhava no puxa-saquismo coletivo foi abatida pela tal gripinha cada vez
mais temível.
E, se o Jair não pegou a
covid-19 nessa ocasião, pegou logo a seguir e teve que se render à gripinha,
contra a qual lutou, pelo que se sabe, não com cloroquina, mas com armas mais
poderosas. Assim, Jair já não sai ao puxadinho residencial, onde era aclamado
por meia dúzia de gatos pingados e mal pagos. Ali deu os melhores de seus shows
respondendo na tampa a qualquer provocação.
Mas não vamos esquecer: o que
o país fará do Jair?
Que destino dar ao Jair?
Realmente não sei. Em 2022
teremos a chance de lhe dar o destino que os norte-americanos deram a seu
padrinho Trump. Conseguiremos esperar? Acho que sim, já suportamos coisas piores.
Eleito com 57.797.847 de votos,
pode ser que fique por aí enchendo a nossa paciência com novos falsos problemas
que servem para camuflar problemas reais, arte na qual os políticos brasileiros
são mestres.
Mas há dois dias o Jair se
superou: diante de um comentário de Jo Baiden sobre a Amazônia, ameaçou os EUA com
o disparo, não apenas da artilharia de sua língua inquieta e venenosa, mas da
sua “pólvora”. Fez uma declaração de guerra, eis aí. É o limite do ridículo.
Lembrei imediatamente do notável filme de Jack Arnold, no qual Peter Sellers,
como sempre, dá um show – O rato que ruge
(1959).
Ou seja, Jair (o Rato) quer
agora marcar um duelo com os marines e suas armas intercontinentais.
Vejam o filme. É ótimo.
Gosto muito de um autor inglês, Gilbert Keith Chesterton, que, sendo também um exímio humorista, era não apenas um grande escritor como um escritor grande. De físico volumoso e avantajado, se movia com a agilidade de um jovem potro, sobretudo quando se tratava de esgrimir com ideias.
Não é sem motivo que
Chesterton tenha passado despercebido pelos quatro ou cinco leitores que restam
no Brasil. Ocorre que, além de gordo, ele era confessadamente um conservador,
um pensador católico – se autodenominava um católico ortodoxo – fiel às
concepções filosóficas de Santo Thomas de Aquino, seu santo de devoção, que,
aliás, era também um tipo muito gordo, de barriga imensa, tanto que em sua mesa
de trabalho foi recortada uma meia lua na qual ele se inseria pacientemente
para poder ler e escrever – caso contrário não alcançaria nem os seus livros
nem seus lápis. É o que consta a respeito desse pensador em cuja obra
Chesterton busca se ancorar.
Cabe aqui um parêntesis.
Certa vez estava eu
escolhendo livros numa livraria (claro, me refiro a um tempo em que havia
livrarias, ou seja, um lugar onde era possível pesquisar assuntos, livros e
autores) quando chegou um amigo, professor de filosofia, que de imediato veio
bisbilhotar um dos livros escolhidos por mim.
- Ah, lendo autores da
direita!
Não digo o nome do professor
porque é um grande amigo, embora vítima de um equívoco político que já vicejava
robusto no Brasil de todos os equívocos. Militantes acham que devem ler só livros com
os quais concordam – a esquerda com seus prediletos e a direita idem. Pois eu
acho o contrário, com o que já entro no motivo pelo qual comecei citando
Chesterton. Ao amigo, respondi assim:
- Como no futebol, é preciso
saber o que pensam os adversários.
Pois Chesterton está
entre os meus adversários que mais admiro. É um homem culto, inteligente, intelectualmente
honesto – e que tem todo o direito de discordar de mim, pobre mortal. Por isso
fico estarrecido quando vejo políticos e militantes esbravejando xingamentos
uns contra os outros, muitas vezes sem ter a menor ideia do que o outro está
dizendo. Bastam os chavões, as palavras de ordem, os berros histéricos. Nesse
circo dos horrores, as divisões são claras: de um lado está a verdade, do outro
não há verdade alguma.
Tento me explicar melhor. Um dos jornalistas que
eu mais admirei foi Paulo Francis, o feroz polemista. Seu texto era um ringue,
sobravam diretos de direita e de esquerda. No entanto, eu discordava de 80% do
que o Francis escrevia. Mas ele era brilhante e isso me bastava. Era com o que
eu arejava minhas próprias ideias.
Agora vamos ao
Chesterton. Grande criador de frases fulminantes que não eram jogos gratuitos
de palavras, mas estocadas que sintetizavam longas reflexões, com o que ele
combatia os medíocres lugares comuns que circulam nos debates políticos e
filosóficos.
Um desses lugares
comuns reza que o louco é alguém que perdeu a razão. Diante da obviedade,
Chesterton tragava prazerosamente seu inseparável charuto e fulminava:
- Não. O louco é alguém
que perdeu tudo, exceto a razão.
Como não se pensou
nisso antes? O louco sempre tem razão. O louco sempre tem na ponta da língua a
solução para todos os problemas do mundo. Seja para acusar os judeus de todas
as desgraças que nos abatem, como para apontar os negros como raça inferior. O
louco, com duas pequenas ideias coletadas em alguma apostila ou manual, acusa
genericamente a todos que não pensam como ele. É simples. Ele está certo e o
resto do mundo está errado. Axioma primeiro da cloroquina.
Aliás, é curioso. O socialismo,
tal como idealizado no século XIX, fracassou, a não ser que achemos que China, Rússia,
Venezuela, Cuba, sejam modelos de países socialistas. Portanto, a direita no
Brasil combate um mero fantasma, que tem como utilidade criar a paranoia
coletiva do medo do comunismo. Da mesma forma, a esquerda, viciada em suas
razões, perdeu o rumo e está perplexa. Desde que uma de suas estrelas sapateou
num palco declarando que odiava a classe média, ela calou-se e, pelo que
parece, não reflete mais.
Direita e
esquerda, que estupidificam o debate de ideias no Brasil, são nossos loucos
preferenciais. Estão cheias de razão, tudo sabem e tudo explicam.
Diante do que
Chesterton soltaria uma baforada irônica de seu charuto e diria:
- Estão vendo? Perderam
tudo exceto a razão. Estão cobertos de razão.
Portanto, o louco não perdeu
a razão. Ele perdeu a solidariedade, o convívio fraterno, o humor, o respeito
ao outro, a generosidade, a empatia, o reconhecimento e a aceitação do outro,
com suas igualdades e diferenças.
Enfim, o louco já não
sabe o que é amar.