Gosto muito de um autor inglês, Gilbert Keith Chesterton, que, sendo também um exímio humorista, era não apenas um grande escritor como um escritor grande. De físico volumoso e avantajado, se movia com a agilidade de um jovem potro, sobretudo quando se tratava de esgrimir com ideias.
Não é sem motivo que
Chesterton tenha passado despercebido pelos quatro ou cinco leitores que restam
no Brasil. Ocorre que, além de gordo, ele era confessadamente um conservador,
um pensador católico – se autodenominava um católico ortodoxo – fiel às
concepções filosóficas de Santo Thomas de Aquino, seu santo de devoção, que,
aliás, era também um tipo muito gordo, de barriga imensa, tanto que em sua mesa
de trabalho foi recortada uma meia lua na qual ele se inseria pacientemente
para poder ler e escrever – caso contrário não alcançaria nem os seus livros
nem seus lápis. É o que consta a respeito desse pensador em cuja obra
Chesterton busca se ancorar.
Cabe aqui um parêntesis.
Certa vez estava eu
escolhendo livros numa livraria (claro, me refiro a um tempo em que havia
livrarias, ou seja, um lugar onde era possível pesquisar assuntos, livros e
autores) quando chegou um amigo, professor de filosofia, que de imediato veio
bisbilhotar um dos livros escolhidos por mim.
- Ah, lendo autores da
direita!
Não digo o nome do professor
porque é um grande amigo, embora vítima de um equívoco político que já vicejava
robusto no Brasil de todos os equívocos. Militantes acham que devem ler só livros com
os quais concordam – a esquerda com seus prediletos e a direita idem. Pois eu
acho o contrário, com o que já entro no motivo pelo qual comecei citando
Chesterton. Ao amigo, respondi assim:
- Como no futebol, é preciso
saber o que pensam os adversários.
Pois Chesterton está
entre os meus adversários que mais admiro. É um homem culto, inteligente, intelectualmente
honesto – e que tem todo o direito de discordar de mim, pobre mortal. Por isso
fico estarrecido quando vejo políticos e militantes esbravejando xingamentos
uns contra os outros, muitas vezes sem ter a menor ideia do que o outro está
dizendo. Bastam os chavões, as palavras de ordem, os berros histéricos. Nesse
circo dos horrores, as divisões são claras: de um lado está a verdade, do outro
não há verdade alguma.
Tento me explicar melhor. Um dos jornalistas que
eu mais admirei foi Paulo Francis, o feroz polemista. Seu texto era um ringue,
sobravam diretos de direita e de esquerda. No entanto, eu discordava de 80% do
que o Francis escrevia. Mas ele era brilhante e isso me bastava. Era com o que
eu arejava minhas próprias ideias.
Agora vamos ao
Chesterton. Grande criador de frases fulminantes que não eram jogos gratuitos
de palavras, mas estocadas que sintetizavam longas reflexões, com o que ele
combatia os medíocres lugares comuns que circulam nos debates políticos e
filosóficos.
Um desses lugares
comuns reza que o louco é alguém que perdeu a razão. Diante da obviedade,
Chesterton tragava prazerosamente seu inseparável charuto e fulminava:
- Não. O louco é alguém
que perdeu tudo, exceto a razão.
Como não se pensou
nisso antes? O louco sempre tem razão. O louco sempre tem na ponta da língua a
solução para todos os problemas do mundo. Seja para acusar os judeus de todas
as desgraças que nos abatem, como para apontar os negros como raça inferior. O
louco, com duas pequenas ideias coletadas em alguma apostila ou manual, acusa
genericamente a todos que não pensam como ele. É simples. Ele está certo e o
resto do mundo está errado. Axioma primeiro da cloroquina.
Aliás, é curioso. O socialismo,
tal como idealizado no século XIX, fracassou, a não ser que achemos que China, Rússia,
Venezuela, Cuba, sejam modelos de países socialistas. Portanto, a direita no
Brasil combate um mero fantasma, que tem como utilidade criar a paranoia
coletiva do medo do comunismo. Da mesma forma, a esquerda, viciada em suas
razões, perdeu o rumo e está perplexa. Desde que uma de suas estrelas sapateou
num palco declarando que odiava a classe média, ela calou-se e, pelo que
parece, não reflete mais.
Direita e
esquerda, que estupidificam o debate de ideias no Brasil, são nossos loucos
preferenciais. Estão cheias de razão, tudo sabem e tudo explicam.
Diante do que
Chesterton soltaria uma baforada irônica de seu charuto e diria:
- Estão vendo? Perderam
tudo exceto a razão. Estão cobertos de razão.
Portanto, o louco não perdeu
a razão. Ele perdeu a solidariedade, o convívio fraterno, o humor, o respeito
ao outro, a generosidade, a empatia, o reconhecimento e a aceitação do outro,
com suas igualdades e diferenças.
Enfim, o louco já não
sabe o que é amar.
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