Fuma outro cigarro. Com cuidado, buscando prolongar o tempo, sem pressa
alguma. É preciso alongar os minutos, repete mentalmente, sentado no banco
junto ao jardim do hospital, ao lado de um cinzeiro enorme, no qual deposita as
cinzas com cuidado.
A sua frente, pequenas palmeiras. Mais adiante, o gramado no qual estão
espetados alguns pinheiros raquíticos e envelhecidos. Fica com pena dos
pinheiros – parecem frágeis e fatigados. Ele próprio se sente cansado, embora
não se sinta velho. Sabe apenas que está ali a esperar. A esperar coisa alguma,
é verdade.
Esmaga o cigarro no cinzeiro e olha para a rodovia que passa além do
gramado. Fica por vários minutos assim, quieto, sem pensar em nada, vendo os
carros passarem numa velocidade que lhe parece despropositada. São muitos
carros, alguns buzinam, outros ultrapassam – tudo é nervosismo naquela rodovia,
ao contrário do prédio branco e enorme no qual ele se encosta e continua a
esperar. Pensa em acender outro cigarro, mas decide que seria um exagero. Chega
de fumar. Agora passam caminhões, vários deles, enormes e resfolegantes, como
se combinassem avançar sobre a rodovia todos ao mesmo tempo. Perto deles os
carros lembram camundongos.
Estica as pernas, ajeita das costas contra a parede e segue sem pensar em
nada. Um caminhão solta no ar uma coluna negra de fumaça. Um automóvel buzina
furioso. E, para seu espanto, um ciclista surge na pista, dando pedaladas
insistentes, talvez inúteis. São inúteis, decide ele.
Inútil como sua espera por coisa alguma.
Lá dentro do prédio branco, ele sabe, uma mulher de 87 anos fala sem
parar. Não se entende o que ela diz, exceto algumas palavras soltas. Ela
respira com dificuldade e suas mãos não param quietas. Mãos que buscam agarrar
algo inexistente, vibram no ar, não desistem. Repetem os mesmos gestos, voltam
a afastar a coberta, tentam retirar a sonda que mergulha em seu braço.
Viu aqueles gestos e palavras inúteis se repetiram ao longo da noite. E,
como num milagre, lembra agora que num certo momento a mulher de 87 anos o
olhou e sorriu. O mesmo sorriso de sempre. Há algo de moleque naquele sorriso.
É a mesma? Fala com ela, pergunta se sabe que ele é.
Ela aprofunda o olhar, torna-se séria e chora. Ela o reconheceu. Quando
chora é sinal de que o reconheceu.
- Quem é este que está aqui? pergunta a enfermeira.
O rosto da mulher vence o choro e diz:
- Meu filho.
Aquelas palavras são comemoradas com aplausos. É a mesma, pensa ele.
Mas logo as mãos voltam a se contorcer desencontradas embora ele descubra,
sob a pele fina devastada por hematomas, sinais dos dedos delicados, da mão
hábil e de traços refinados, que eram capazes de fazer bordados, crochê, vestidos,
tricô, anotações em caligrafia elegante em pedaços de papel. Mas é preciso não
se iludir: não esperar coisa alguma.
Acende outro cigarro. Os caminhões voltam a se precipitar sobre os
automóveis. Os automóveis voltam a fugir desesperados ao longo da pista. Estranhamente,
ele não ouve seus roncos, sua vibração, as freadas – lembra um filme mudo,
movimentos puros.
Uma enfermeira surge no corredor. Carrega uma bolsa de plástico e sorri.
Ele sorri também. Calcula que já se passaram uns vinte minutos, deve voltar ao
quarto. Esmaga o cigarro fumado pela metade, levanta-se e dá dois passos na
direção do gramado que, apesar do tumulto de carros e caminhões ao fundo, lhe
parece um cenário idílico, como se naquele verde ele pudesse caminhar para
sempre.
Respira fundo e fecha os olhos. É preciso esperar, pensa. Esperar coisa
alguma. Um amigo lhe dirá, dois dias depois, que passou pela mesma experiência,
algo como um pesadelo sem fim. Imitação dos carros na rodovia. Sucessão de
gestos e movimentos que não vão a lugar algum. Como os pinheiros tristes que
contempla por um tempo que parece não ter fim.
Sobe as escadas, avança pelo corredor, a mesma agonia o aguarda no último
quarto à direita, onde a noite simula um túnel do tempo. No entanto, ele
aguarda. Quando menos se espera, o sorriso que viu ainda menino.
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