domingo, 6 de maio de 2012

Conversa ao cair da tarde


Ao parar na esquina, ele comentou:
- Fico meio triste com esses passeios.
- Triste? Por quê?
- Sei lá. Poderia perguntar por que saio de casa, não é mesmo? Tudo que me interessa está lá. Meus discos, as fotos antigas, meus livros, meu gato. Poderia ficar em casa.
- Não tente me tapear. Sai em busca de alguma coisa que não encontra em casa.
- Pode ser. O problema é saber o que procuro.
- Não brinque. Você sabe.
- Não sei. Ou melhor, sei. Ou pouco importa. Acontece que insisto nesses passeios todo final de tarde, que é a hora em que me chateia ficar sozinho. Vou a algum restaurante, algum café, algum bar. Venho pela avenida, atravesso duas praças, sigo em frente.
- Sempre pelo mesmo caminho?
- Não. Não. A cada dia invento um roteiro diferente, embora o resultado seja o mesmo. Não tenho curiosidade pela cidade, pelas praças e ruas. Conheço tudo isso de cor e salteado. Não me interesso nem mesmo pelas árvores.
- Não se interessa? Não acredito.
- Tudo isso está aí, qualquer um pode ver. A gente não tem interesse pelo que está aí. O que nos interessa são coisas que não estão aí.
- Entendo.
- Não sei se você entende. É difícil entender e, pior ainda, explicar. Naquela esquina ali, por exemplo...
- O que havia ali?
- O que falta ali, seria melhor dizer.
- Perfeito.
- Nós saíamos do colégio, atravessávamos o Passeio e vínhamos correndo nessa direção, pois naquela idade a gente não andava, corria. Aqui na praça a gente se jogava no chão, arfando e dando gargalhadas. Havia uma menina, Lídia ou Lígia, já não lembro, que chegava sempre ensolarada, quase vermelha, cabelos alvoroçados. Era linda.
- Sua namorada?
- Infelizmente, não. Namorada do Teixeira. Quer dizer, fui trocado por um sujeito chamado Teixeira! Que fracasso! E havia também o Marcos, o Luiz, a Amélia, a Neusa, dependia do dia.
- Eis o que falta, então.
- E é por isso que essas caminhadas são inúteis. Vejo a rua, as praças, mas nenhum deles está aqui.
- Morreram?
- Não. Nem sei. E não importa. Estão em outros lugares, com o tempo a vida vai espalhando cada um para um canto. Os amigos mudam de cidade ou de país. As mulheres se casam com sujeitos com nomes estranhos e nunca sabemos onde foram parar. É isso, eu acho.
- Convenhamos, não é tão triste.
- É verdade, eu exagero um pouco. Mas gostaria de encontrar essas pessoas, compreende? Por isso insisto nos passeios. Encontrar a turma da faculdade, a turma do primeiro jornal mimeografado, do primeiro show de bossa nova. Da primeira passeata, da primeira greve. Do primeiro lança-perfume. Do boteco em frente à faculdade. É isso. De que me interessam essas ruas e praças? Não servem para nada!
- Não exagere. Não acredito que você pense assim.
- Pois acredite.
Foi quando, já na porta do restaurante do qual se aproximava, um garçom o cumprimentou educadamente e perguntou:
- Mesa só para o senhor ou espera alguém?
- Só para mim. Estou sozinho.
E ele entrou no restaurante sorrindo, pois lá na segunda mesa não estava Isadora. Mas só ele sabia disso.


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