Meu amigo André Ambrósio
e eu nos obstinamos, por teimosia e prazer, a trocar cartas nesses tempos
eletrônicos. Sem obrigação de pronta resposta, sem qualquer pretexto, sem prazo
ou pressa. Apenas para escrever no velho estilo: papel, caneta tinteiro e
aquele silêncio de madrugada que nos envolve, mesmo se escrevemos às três da
tarde.
Um modo de tapear o
tempo, voltando a um mundo anterior ao e-mail.
Mas não pensem que recusamos
o mundo informatizado. Circulamos pela rede como gente grande. Mas achamos
essencial escrever cartas nas quais produzimos generosos parágrafos contando
lorotas ou falando de coisas que jamais caberiam no estilo telegráfico ao qual
o e-mail nos obriga.
Exercitamos essa coisa
que se perdeu no tempo: “escrever à mão”. Assim mesmo, com a chamada falsa
crase, para maior clareza.
Descobri esse prazer depois
de décadas batucando teclados. O domínio da mão, que exige operação difícil, a
alegria em encontrar o talhe certo de uma letra, o ritmo da caneta sincronizado
com o pensamento. A letra do André é disciplinada enquanto a minha lembra um eletrocardiograma
esquizofrênico. Mas ambas me parecem elegantes agora que as coloco lado a lado
aqui sobre a mesa em que escrevo.
O André gosta de me falar
do tempo que faz em Jundiaí. Conta coisas do seu dia-a-dia, fala dos filhos,
netos, da distância de uns, das façanhas de outros. Relata leituras nas viagens
de trem. Cita livros lidos naqueles dias ou há muito tempo.
Eu o acompanho. Falo das
alegrias e das chateações da vida, de lembranças de Itapoá, onde nos conhecemos
num tempo em que aquilo era uma praia deserta.
Tiro disso tudo uma
pequena lição. A questão da velocidade.
Lembro-me do dia em que
um amigo, Otávio, instalou no meu micro uma cópia pirata do Windows. Aquelas
bandeirinhas coloridas me fascinaram. Com o DOS, a tela era negra (ou verde) e
as letras, brancas. Havia comando complicado para tudo. Ctrl+ isso ou aquilo. Era
preciso uma lista de combinações de teclas para produzir o texto. A acentuação
exigia piruetas no teclado.
Agora eu estava diante
de uma tela e de um mouse que me permitiam, vejam só, navegar. Interface amigável.
Abas e janelas. Tudo instantâneo.
Instantâneo? Em pouco
tempo já não pensava assim. Espetei mais memória no micro, instalei um HD que
prometia velocidades vertiginosas e pirateamos nova versão do sistema.
O fascínio durou pouco.
Troquei de micro. O anterior era 286, esse era 386.
Aleluia!
Eis o problema:
velocidade vicia. Logo queremos mais rapidez e escrevemos como estenógrafas. Exemplo
disso é o caráter telegráfico dos e-mails. Mensagens pobrinhas e rápidas.
Refletir? Nem pensar!
Pois escrever à mão,
com caneta tinteiro e papel, nos leva a uma experiência ancestral e monástica.
Há que cuidar da clareza e elegância da grafia. Afinal, alguém precisará ler
aquilo. Encontramos tempo para refletir e o tempo se amplia. Semeamos coisas
inúteis no texto, que resultam ser as mais interessantes. Instala-se aquele
silêncio de madrugada.
Continuamos mortais, mas
o tempo já não nos escraviza.
Ao menos enquanto
escrevemos à mão.
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