Eles vieram aos poucos.
Certo dia escutei
marteladas ao passar pela cozinha. Estranhei, pois ao lado do prédio havia
apenas um terreno coberto de mato. Matagal respeitável, feito desse capim que se
chama de praga, além de pequenos arbustos.
Apareciam passarinhos e
algumas borboletas davam bordejos por ali. E eu me sentia, aqui do terceiro
andar, contemplando um jardim.
Foi quando descobri um
habitante daquelas paragens. Um ratão gordo e cinzento, com o qual me encontrei
de supetão na entrada do edifício. Eu saía com meu carro e o ratão vinha em
disparada na direção da garagem. Freei bruscamente. O ratão fez o mesmo. Brecou
as patas, derrapou uns centímetros de bunda virada e disparou rampa acima.
Voltou ao matagal.
Passei a olhar o
matagal com outros olhos. Ali morava alguém. Um ratão. Feio e balofo, mas um
ser vivo. Escondido pelo capim e pelos arbustos, estaria por ali, quem sabe a
olhar para cima tentando descobrir o que aquele sujeito fazia na janela observando
seus domínios.
Penso que mesmo um
ratão deve ter certo senso de propriedade, tanto que, ao dar com meu carro na
rampa da garagem, disparou de volta a seu mundo, sabedor que estava fora de
seus domínios.
Assim passamos a viver.
Ele lá, eu aqui. Nunca mais o vi. Recusado por ser um bicho feio e desajeitado
e sujo, estaria lá. O matagal adquiriu para mim um novo sentido. Era moradia de
alguém, além de pássaros e borboletas.
Naquela ocasião eu
podia ver um edifício vizinho, em cujas janelas quase nunca aparecia alguém,
exceto um sujeito gordo de camiseta regata e, um belo dia, uma jovem ao
telefone. Sendo jovem, ficou durante horas falando, falando, falando. Isso deu
um novo sentido ao cenário. Pássaros, borboletas, um ratão, um gordo e uma
jovem ao telefone. Falaria com quem? Nunca saberei.
E o ratão, falaria com
quem? Talvez houvesse alguma ratinha por ali, mas nunca a vi. Falar nisso, por
que ele tentou entrar desesperado na garagem naquele dia? Algum gato o
perseguia ou quem sabe outro ratão dono da ratinha? Aquele terreno verde, cheio
de mato, era enfim um universo a explorar e eu me divertia.
Agora tudo isso acabou.
As marteladas eram dadas por dois homens que fincavam estacas. Fizeram buracos,
brotou água do chão, escavaram. Depois veio uma máquina que, com crueldade,
destruiu o que havia de mato. Restou apenas a terra revirada, que outra máquina
tratou de aplainar. Surgiu então uma grua gigante, espécie de gafanhoto
metálico, que enfiou um parafusão no terreno. Temi que viesse um bate-estaca.
Mas não. Feito o buraco, outro gafanhoto lá da rua enviava concreto para
enchê-lo. Ferros foram espetados. Depois, mais concreto e mais ferro e vigas e
pilares e lajes e tijolos e lá está o edifício em seu quinto andar.
Sem moça telefonando na
janela, sem sujeito gordo de camiseta.
E fiquei me perguntando:
cadê o ratão?
Eis o que me preocupa.
Onde foi parar o ratão nesse terreno devastado? Passarinho e borboleta voam
para longe, a jovem arranjará outra janela da qual telefonar. E o gordo talvez percorra
com olhos curiosos o edifício que sobe.
Mas o ratão? Eis o que
me parece indecifrável.
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