A frase é de Galeno, notável médico e filósofo romano de origem grega.
Diz o seguinte:
“Depois
do coito todos os animais entristecem, à exceção da fêmea humana e do galo”.
Já conhecia essa frase de Galeno, mas não me lembrava dela. Talvez por
me faltar tristeza nos momentos aos quais ele se refere, talvez por razões
insondáveis. Dei com ela num livro que não tinha nada a ver com o coito e suas
consequências e interrompi por momentos a leitura. É que a frase me pareceu curiosa.
Ela revela no autor um espírito atento a tudo que se passa na natureza e
nos organismos animais, o ser humano aí incluído. Galeno, embora tivesse
sólidos conhecimentos filosóficos, foi daqueles pesquisadores que se afastaram
da pura especulação teórica e dedutiva, tão cara aos gregos e aos primeiros pensadores.
Foi pioneiro da observação
direta, da dissecação e da vivissecção, essencial à formação médica. Como não
era permitido praticar dissecação em corpos humanos, ele a executava em macacos
e tirou de seus estudos ensinamentos que ainda hoje, em seu arcabouço geral,
estão presentes na medicina ocidental, como, por exemplo, a hipótese de que o
cérebro é o comandante dos movimentos musculares e do sistema nervoso
periférico. E, entre outras contribuições, mostrou que os rins são órgãos
excretores de urina.
Enfim, sem querer gastar um conhecimento que não tenho, deixo
anotado apenas que ele foi um notável pesquisador.
Então, voltemos à frase. Segundo ela nos diz, Galeno observou homens e animais
após o coito e constatou sua indisfarçável tristeza. Digamos que isso pode ter sido
resultado de auto-observação. Após o coito Galeno se sentiria triste.
Mas há mais. Ele exclui dessa tristeza as mulheres e o galo.
Quanto às mulheres ele pode ter feito também uma observação direta.
Segundo reclamação de algumas delas, os homens costumam cair no sono após o
sexo, mostram-se desinteressados de tudo – muitos se limitam a perguntar formalmente
se “foi bom para você?”. E não telefonam no dia seguinte, o que é um sinal
lamentável, donde se pode concluir a respeito de alguma tristeza havida. Elas,
ao contrário, ficam acesas após o coito.
Mas também há quem reclame que elas saltam da cama com demasiada rapidez,
voltando a sua atividade preferida, falar. Em oposição, os homens são tomados,
talvez pela tristeza, por um mutismo enervante, uma surdez tumular, motivo pelo
qual são acusados de desligados, insensíveis a respeito de papos transcendentais.
É quando elas disparam frases feitas – o mundo do amor e do sexo é feito de
inúmeras frases feitas, é bom lembrar – segundo a qual “você não me ama mais”,
ou, pior ainda, “você só pensa em sexo”.
Então, além de saltarem da cama elas falariam demais e sempre.
Não sei. Há controvérsias. Galeno pode ter errado nesse caso. Vai ver
suas companheiras de cama tenham sido daquelas que adoram discutir a relação
justo após o coito, o que é de fato uma das maneiras mais cruéis de tortura.
Nesse século XXI – ou seja, vinte séculos após Galeno – temo que as
mulheres que leem essas minhas especulações desabusadas, poderão se enfurecer e
encher minha caixa de e-mails com desaforos e críticas severas.
Mas quero dizer que não pretendo ofender o sexo que já foi frágil. As
mulheres são adoráveis, ao contrário do que pensavam Schopenhauer, Nietzsche e
tantos pensadores famosos.
O que me causa maior espanto é a referência aos galos.
Eis a razão de minha grande admiração por Galeno: constatou uma diferença
entre galos e galinhas. Elas são dóceis no geral, se aquietam após o coito e,
após sacudir as penas, seguem com suas atividades preferidas: ciscar o quintal
em busca de algo para se alimentar. Já os galos são agitados e parecem estar
prontos para nova empreitada. Aliás, parecem ainda mais afoitos e ousados, não
raro saindo quintal afora em busca de nova companheira.
Temo, no entanto, que seja pura exibição festeira. O galo é dado a
espalhafatos. É um grande marqueteiro, na verdade. E nem toda criatura que
pertença àquilo que Galeno chama de “fêmea humana”, salta de imediato da cama e
dispara a falar.
O que se deduz daí? Nada. Galeno era um cientista sério e profundo,
enquanto eu, que escrevo essas linhas feitas de amenidades e ironias, sou
apenas uma criatura que se diverte com palavras e conceitos. Em particular com
ideias feitas e preconceitos.
Ou seja, o que fica para a história da ciência – e Galeno é um exemplo
notável disso – é a experimentação. No jogo do bicho se diz que “vale o
escrito”. Pois em ciência vale o que for submetido à experiência.
O mesmo se pode dizer do sexo, sendo que os que ficam tristes parecem se
perguntar: era só isso?
Não é essa uma preocupação do galo, como se pode supor.
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