terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Galeno e o (assim chamado) coito






A frase é de Galeno, notável médico e filósofo romano de origem grega. Diz o seguinte:

“Depois do coito todos os animais entristecem, à exceção da fêmea humana e do galo”.

Já conhecia essa frase de Galeno, mas não me lembrava dela. Talvez por me faltar tristeza nos momentos aos quais ele se refere, talvez por razões insondáveis. Dei com ela num livro que não tinha nada a ver com o coito e suas consequências e interrompi por momentos a leitura. É que a frase me pareceu curiosa.
Ela revela no autor um espírito atento a tudo que se passa na natureza e nos organismos animais, o ser humano aí incluído. Galeno, embora tivesse sólidos conhecimentos filosóficos, foi daqueles pesquisadores que se afastaram da pura especulação teórica e dedutiva, tão cara aos gregos e aos primeiros pensadores.
Foi pioneiro da observação direta, da dissecação e da vivissecção, essencial à formação médica. Como não era permitido praticar dissecação em corpos humanos, ele a executava em macacos e tirou de seus estudos ensinamentos que ainda hoje, em seu arcabouço geral, estão presentes na medicina ocidental, como, por exemplo, a hipótese de que o cérebro é o comandante dos movimentos musculares e do sistema nervoso periférico. E, entre outras contribuições, mostrou que os rins são órgãos excretores de urina.
Enfim, sem querer gastar um conhecimento que não tenho, deixo anotado apenas que ele foi um notável pesquisador.
Então, voltemos à frase. Segundo ela nos diz, Galeno observou homens e animais após o coito e constatou sua indisfarçável tristeza. Digamos que isso pode ter sido resultado de auto-observação. Após o coito Galeno se sentiria triste.
Mas há mais. Ele exclui dessa tristeza as mulheres e o galo.
Quanto às mulheres ele pode ter feito também uma observação direta. Segundo reclamação de algumas delas, os homens costumam cair no sono após o sexo, mostram-se desinteressados de tudo – muitos se limitam a perguntar formalmente se “foi bom para você?”. E não telefonam no dia seguinte, o que é um sinal lamentável, donde se pode concluir a respeito de alguma tristeza havida. Elas, ao contrário, ficam acesas após o coito.
Mas também há quem reclame que elas saltam da cama com demasiada rapidez, voltando a sua atividade preferida, falar. Em oposição, os homens são tomados, talvez pela tristeza, por um mutismo enervante, uma surdez tumular, motivo pelo qual são acusados de desligados, insensíveis a respeito de papos transcendentais. É quando elas disparam frases feitas – o mundo do amor e do sexo é feito de inúmeras frases feitas, é bom lembrar – segundo a qual “você não me ama mais”, ou, pior ainda, “você só pensa em sexo”.
Então, além de saltarem da cama elas falariam demais e sempre.
Não sei. Há controvérsias. Galeno pode ter errado nesse caso. Vai ver suas companheiras de cama tenham sido daquelas que adoram discutir a relação justo após o coito, o que é de fato uma das maneiras mais cruéis de tortura.
Nesse século XXI – ou seja, vinte séculos após Galeno – temo que as mulheres que leem essas minhas especulações desabusadas, poderão se enfurecer e encher minha caixa de e-mails com desaforos e críticas severas.
Mas quero dizer que não pretendo ofender o sexo que já foi frágil. As mulheres são adoráveis, ao contrário do que pensavam Schopenhauer, Nietzsche e tantos pensadores famosos.
O que me causa maior espanto é a referência aos galos.
Eis a razão de minha grande admiração por Galeno: constatou uma diferença entre galos e galinhas. Elas são dóceis no geral, se aquietam após o coito e, após sacudir as penas, seguem com suas atividades preferidas: ciscar o quintal em busca de algo para se alimentar. Já os galos são agitados e parecem estar prontos para nova empreitada. Aliás, parecem ainda mais afoitos e ousados, não raro saindo quintal afora em busca de nova companheira.
Temo, no entanto, que seja pura exibição festeira. O galo é dado a espalhafatos. É um grande marqueteiro, na verdade. E nem toda criatura que pertença àquilo que Galeno chama de “fêmea humana”, salta de imediato da cama e dispara a falar.
O que se deduz daí? Nada. Galeno era um cientista sério e profundo, enquanto eu, que escrevo essas linhas feitas de amenidades e ironias, sou apenas uma criatura que se diverte com palavras e conceitos. Em particular com ideias feitas e preconceitos.
Ou seja, o que fica para a história da ciência – e Galeno é um exemplo notável disso – é a experimentação. No jogo do bicho se diz que “vale o escrito”. Pois em ciência vale o que for submetido à experiência.
O mesmo se pode dizer do sexo, sendo que os que ficam tristes parecem se perguntar: era só isso?
Não é essa uma preocupação do galo, como se pode supor.




Nenhum comentário:

Postar um comentário