O Brasil não é dado a
filigranas em humor, ao contrário do mito que fantasia um país de humor
inteligente e à flor da pele.
Hoje, jovens escritores
e intelectuais são sisudos e por isso se imaginam profundos. A ausência de
humor parece dar uma dimensão abissal a seus escritos. Já o humor na televisão é
um show de horrores. Há confusão entre grosserias, escatologias,
constrangimentos e humor.
Pois o humor, como
ensinou o filósofo francês Henri Bergson, implica na suspensão temporária da
emoção, que deve dar lugar à inteligência. Mesmo as trapalhadas mais simples – um
chute que Carlitos desfere nos fundilhos de alguém – exige que a emoção saia de
cena. Se me emociono, não sou capaz de rir, penalizado com os fundilhos
chutados – logo os fundilhos, essa parte da anatomia humana que guarda toda a
dignidade da espécie.
Com isso perdemos a
ironia. Levamos tudo ao pé da letra. O politicamente correto, aliás, se
beneficia com essa tolice. O politicamente correto, aliás, é uma tolice.
Um caso emblemático vitimou
Agripino Grieco, crítico literário impiedoso. Aliás, triste ironia é que
Agripino está hoje apagado da memória nacional, sendo que as nulidades que ele
combatia continuam presentes. Podia ser justo ou injusto, mas era sempre sagaz
e contundente. Provocador, dizia que Guimarães Rosa escrevia em húngaro. Devo
dizer que não concordo com a tirada de Agripino, mas convenhamos que é hilariante.
Pois certa ocasião Agripino,
atuante na crítica em jornais, recebeu, enviado pelo marido da autora, um livro
de poemas. Os poemas eram péssimos. Versos derramados e frouxos. Coisa de quem
não lera nada de importante ou não entendera coisa alguma.
Agripino, de molecagem,
escreveu sobre esses poemas capengas coisas do tipo: trata-se de uma obra rara;
desde Camões não se publicou nada igual; achados que não encontramos em Dante
ou Shakespeare. Cumulou o livro com supostos elogios e com isso se divertiu
muito.
Foi quando se deu o caso.
Não demorou e o tal livro aparecia em segunda edição, lançada pelo marido, que
funcionava como editor. E lá estava, a título de prefácio, o texto de Agripino,
salpicado de Shakespeare, de Dante e de Camões. A ironia não foi percebida e o
texto foi tomado ao pé da letra.
Eis o perigo da ironia no
Brasil. Na Inglaterra, onde se preza o intelecto acima das emoções fáceis, jamais
aconteceria.
Há algum tempo, alguém
sugeriu a criação de um sinal gráfico para indicar ironia. Existindo ponto de
exclamação e de interrogação, poderia existir um para a ironia. Espécie de
advertência: trata-se de ironia, sorria e faça pose de inteligente, não leve ao
pé da letra. Tal sinal gráfico não passa de uma bobagem e seria um atestado de
nossa dificuldade em lidar com coisas escritas.
Conhecido desenhista, habilidoso
e oportunista, propôs um ponto de exclamação com um pingo em cima e outro embaixo,
mostrando como nos enredamos com questões constrangedoras, entre elas o hífen,
a crase e o voto obrigatório. Desacertos nacionais que estão a merecer de um
autor inglês um texto fartamente irônico.
Por sorte, o ponto de
ironia foi esquecido. O voto obrigatório, não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário