Só
curto comentar esse tipo de notícia com algumas semanas de distância. Enquanto
isso me divirto com os comentários e as bobagens que são ditas pelo caminho e,
tratando-se de literatura, me engasgo de tanto rir com aqueles que tomam carona
em um fato ligado às letras para fazer pose de inteligente.
Com
o prêmio Nobel conferido a Bob Dylan deu-se o mesmo. Os jornalistas – criaturas
atarantadas em busca do inédito – se limitaram às loas e ao mantra inevitável: “o
primeiro cantor e compositor a receber o Nobel de Literatura”.
Então,
vamos lá.
Antes
de mais nada, sou fã de Bob Dylan. Não só das letras quilométricas como das melodias,
que costumam ser deliciosas e hipnóticas. Mas também gosto dele por uma
esquisitice minha: gosto de vozes estranhas, esquisitas, rascantes, roucas – ou
de vozes que me parecem assim. Por exemplo: Nelson Cavaquinho, João Donato, Guinga,
Cássia Eller, Billie Holiday. Além de outras qualidades, gosto da estranheza de
certas vozes. Bob Dylan é assim.
Além disso, embora tenha sido batizado com um nome monumental – Robert Allen
Zimmerman – teve o bom gosto de se batizar Bob Dylan em homenagem ao grande
poeta galês chamado Dylan Thomas.
Por
essas e por outras, gosto do Dylan.
Mas,
nada me parece justificar esse prêmio Nobel. Ou melhor, o prêmio dado a Dylan
não acrescenta nada a ele e manifesta uma coisa que a meu ver escapou a todos
os jornalistas e críticos que abordaram o assunto: a literatura acabou.
Acabou
não como produção de certos indivíduos que insistem em escrever obras
literariamente valiosas, mas como fenômeno social. E isso nada tem a ver com
sucesso ou vendagem; refiro-me à presença cultural da palavra escrita. Aliás, o
mesmo aconteceu com o cinema. O cineasta Héctor Babenco, pouco antes de
falecer, disse literalmente: “o cinema, tal como nós o entendíamos, está morto”.
Eis
a lição involuntária que o Nobel deu a respeito do papel da literatura no mundo
atual. Se no cinema o que resta são explosões, efeitos especiais, mundos
fantásticos, delírios sobre reinos e deuses e heróis e aventuras, quando não
uma óbvia glamorização da violência, na literatura restou a retomada do romance
fácil, baseado em enredos, na identificação imediata dos conflitos e de
personagens planos, tudo misturado com uma receita de reportagem jornalística e
oportunista ora sobre etnias, ora sobre sexualidades, ora sobre crianças
abandonadas, ora sobre imigrantes, ora sobre estupro etc.
Ou
seja, o cinema tal como o conceberam Fellini, Kurosawa, Chaplin, Orson Wells, John
Ford, Antonioni etc. etc., faleceu. E a literatura, tal como a conceberam Tolstói,
Dostoievski, Kafka, Proust, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Dalton Trevisan e
João Cabral de Mello Neto etc. etc., também acabou. Restam pruridos
palavrísticos, brincadeiras gratuitas, poemetos a consolar espíritos mais
simples, e uma grande vontade de aparecer, de ser celebridade por parte de
escrevinhantes.
Por
isso, ao dar o prêmio a um cantor/compositor (por mais que ele mereça todos os
elogios enquanto tal) significa que a literatura acabou. E me perdoem citar aqui,
em causa própria, o personagem de um romance que publiquei em 2011, O conhecimento de Anatol Kraft. Dizia o
sábio Anatol: a literatura acabou.
Resta
um amontoado de historinhas para boi dormir. Com as exceções conhecidas, o que
se publica é literatura água com açúcar, lamentos juvenis, relatos de
depressões tardias, truques narrativos de olho numa adaptação para o cinema ou
para a televisão etc. Não têm o impacto nem a importância que tiveram os
escritores de uma era literária que parece ter chegado ao fim.
Razão
pela qual os escritores que hoje insistem em escrever literatura de valor
perderam totalmente a penetração cultural, ou seja, não repercutem socialmente,
não criam polêmicas e debates, não ajudam à sociedade a se reinventar. Dada a
crescente onda de analfabetismo que assola o mundo dito civilizado, ninguém os
lê, nem pensa neles, são cartas fora do baralho. O que eles pensam e escrevem
não tem a menor importância.
Eis
o que o Nobel dado a Bob Dylan significa.
Parabéns!
ResponderExcluirÉ exatamente isso, Roberto!