O esporte favorito do
ser humano é passar rasteira no próximo. Trata-se de velha prática com a qual a
humanidade se diverte há séculos. Há variações neste jogo, mudando apenas o
grau de crueldade, de sadismo ou de graça com que é praticado.
Uma das formas menos cruentas,
mas não menos dolorosa, é a praticada pelo sujeito bem informado. Aquele que
sabe de tudo e dispõe de informações secretas. Tipo expansivo, falastrão, de
sorrisos malandros. Não raro cutuca nossas costelas com o cotovelo para pontuar
as maldades que anuncia.
Digamos que estamos no
calçadão da Boca Maldita batendo um papo sem compromisso e comentamos que,
nestes tempos bicudos, ao menos a felicidade daquele conhecido casal cuja foto
ilustra o jornal da banca da esquina está em alta. O sujeito que sabe de tudo
nos olha com piedade e sorriso complacente:
- Não é bem assim. Ficam
juntos por conveniência.
E nos explica as farsas
e tramoias financeiras que mantêm o falso casamento de pé. Pronto. Lá se foi mais
uma de nossas ilusões. Ninguém sabia. Só ele.
Se a questão é política,
fazemos um esforço enorme – somos ingênuos, lembra? – para citar ao menos o
nome de um deputado ou senador honesto. Depois de longo esforço, citamos um que
ainda nos permite acreditar na espécie humana, da qual imaginamos que os
políticos façam parte. Ele ataca:
- Que nada...
E nos explica que o tal
político é ligado a grupos financeiros. Seus projetos beneficiam suas próprias empresas,
todas em nome de laranjas. E arremata:
- Fortuna feita à base
de falcatruas.
- Com aquela cara de
santo?
- De santo? Cara de pau,
isto sim.
Pronto, nem o deputado
santinho se salva neste mundo cruel.
Mas insistimos. Lá pelas
tantas, damos uma explicação para o sucesso de certo personagem. Claro, nos baseamos
em coisas lidas na mídia, onde saltitam elogios a seu caráter empreendedor.
Ele coloca mão piedosa em
nosso ombro:
- Você não sabia?
Pronto. Xeque-mate. Só
ele sabe. E continua:
- Essas notas na mídia
são pagas por ele. Um craque na autopromoção.
- Jura?
- Você não sabia?!
Inútil responder: é
claro que não sabia. Só ele sabe.
- Deixa eu te contar uma
coisa – diz ele, enquanto nos obriga a dar alguns passos pelo calçadão, como se
nos conduzisse a um cadafalso e acomodasse nossa cabeça na direção da lâmina da
guilhotina. – Há até uma tabela para estas notas. Com foto, sem foto, com cinco
ou dez linhas, com elogios rasgados ou proezas jamais realizadas por ele.
- Não me diga!
- Digo. E digo mais. Quem
faz aqueles projetos e escreve aqueles artigos é uma equipe paga por ele. Ele é
praticamente analfabeto.
- Como é que você sabe
disso?
Ele nos envolve num
abraço sufocante:
- Ah, meu caro, como
você é ingênuo!
E nos aniquila com a
sutileza de um tiro de bazuca:
- Já não existe gente ingênua
como você nesse mundo.
Dito isso, anuncia ter
um encontro secreto com algum figurão e sai calçada afora, surfando o petit-pavé sem
tropicar, cuidadoso e bailarino, distribuindo cumprimentos educados para todos os
lados.
Pois é isso mesmo. A gente faz aquela cara de tacho. Sentindo-se bobo, ingênuo demais, desinformado de tudo.
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