Agostinho, o notável santo e filósofo, sofria com dúvidas
teológicas que desejava resolver racionalmente. Foi quando teve um sonho no
qual um menino tentava colocar toda a água do mar num buraco que fizera na
areia da praia. Ele explicou ao menino que aquilo seria impossível, ao que o
menino respondeu que seria mais fácil realizar aquele feito do que Agostinho
entender racionalmente os mistérios divinos.
Vinicius
de Morais dizia num poema que não era Francisco nem de Assis – e eu acrescento
que não sou Agostinho nem de Hipona. E confesso: me irritam os falsos debates
brasileiros.
Discute-se,
com ares de seriedade, se a maconha deve ser liberada para uso medicinal. Há
quem alegue que viciaria ou seria inócua. Inócua não parece ser. E pergunto:
quantas drogas legais viciam? Por outro lado, quantos remédios saem de plantas
que são tóxicas? Quantos remédios e vacinas são extraídos do veneno de serpentes?
Então,
por que diabos proibir remédios extraídos da maconha? Trata-se de um insano
preconceito contra a pobre marijuana.
Mas
uma. Discute-se há décadas se devemos ou não liberar jogos de azar. Fui ao site
da Caixa e contei dez loterias em plena ação. São oficiais. E são de azar – azar
de quem não ganhar.
Alegam
alguns que o jogo, uma vez liberado, destruiria a família, a moral etc. –
aliás, argumento usado durante décadas contra o divórcio. Ocorre que é direito de
qualquer cidadão jogar na roleta tanto quanto na Lotomania. E o jogo legalizado
– e controlado – produz resultados financeiros e cria empregos.
Mas
preferimos discutir as mesmas inutilidades. Tudo por conta de dona Santinha, como
era conhecida a pudica e carola esposa do general Eurico Gaspar Dutra, então
presidente. Ela exigiu do marido, em 1946, a extinção dos jogos de azar e do
Partido Comunista. E ele assinou em baixo.
Até
hoje – setenta anos depois – perdemos tempo discutindo se o jogo deve ser
liberado. É ridículo. Cassinos existem por todo o mundo. Santa Fé, Las Vegas, Nova
Orleans. Mônaco, Amsterdã, Estoril. Somados, são mais de 260.
O
mesmo falso dilema acontece com o voto obrigatório, que é uma contradição nos termos. Voto é um
direito, jamais uma obrigação. Direito que cabe ao cidadão exercer ou não. Tenho
direito de escolher uma religião, mas não posso ser obrigado a ter uma. Tenho
direito de ir e vir, mas posso ficar parado. O mesmo vale para o voto, que
deveria ser opcional. Vota quem quer, tal como ocorre nas grandes democracias
do mundo. E uma coisa é certa: voto obrigatório só serve para produzir currais
eleitorais. E corrupção. E eleger patifes. É o voto dos grotões.
E
por aí vai. O Brasil é o país das polêmicas inúteis.
Por
isso me lembro de Agostinho, o santo. Ele, um filósofo em sinuca de bico, ao
menos se preocupava com coisas profundas e vitais – Deus, a morte, a ética, a
religião, o sentido da vida – enquanto que os brasileiros se debatem com falsos
problemas, motivo pelo qual são os maiores produtores de falsas soluções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário