As
frases feitas podem até mesmo ser interessantes em alguns casos, mas não é raro
que escondam uma visão simplista do mundo.
No
mundo pré-Facebook, acontecia de alguém comentar a respeito de um livro ou
artigo de jornal e perguntar se os que participavam do papo haviam lido.
Como
se vê, era um mundo diferente. As pessoas participavam de papos ao ar livre,
geralmente em calçadas, sendo que algumas delas liam livros e os colocavam em
discussão com os amigos.
Mas
sempre havia na roda um tipo posudo, metido a leitor, que, enquanto os demais respondiam
se haviam lido ou não, se emplumava e dizia:
-
Já vi, sim.
Já
viu? Como assim? eu perguntava, pois já nessa época eu era dado a perguntas
impertinentes.
Ocorre
que o tipo não aceitava dizer que não lera, mas também não podia se comprometer
dizendo que lera, pois poderia se ver desafiado a falar sobre o livro.
Então,
despistava. E, como era comum na época, acendia um cigarro e jogava a fumaça
para o alto, desfazendo da conversa.
Hoje,
lamento informar, a coisa continua a mesma, apesar das diferenças de época.
É
o caso do famigerado "curtir" que acompanha textos e fotos no Facebook. Foi
postado, por exemplo, um texto ou um comentário sobre um livro, discutindo tal
assunto, e lá está o ícone salvador: curti. Basta aproximar o mouse e clicar.
Pronto, curtiu. Não leu, é claro, embora alguns leiam. Não tem nada a
acrescentar, mas faz de conta que está por dentro. Portanto, viu.
Sei
de sujeitos que colecionam curtidas. Dizem:
-
Meu post recebeu tantas curtidas.
E
dizem isso com orgulho evidente. No mundo da rede é comum encontrarmos sites
que tiveram curtidas na casa dos milhares e milhões. Claro, normalmente a
respeito de bobagens. Questões mais sérias ou textos mais robustos não merecem
tantas curtidas.
Assim
segue o mundo. Dizem que Marx – o Karl, não o Groucho – ao ler as tragédias
gregas, se surpreendeu com o fato de que, dois mil anos depois, tendo sido
escritas em uma sociedade com estrutura e organização social completamente
diferentes, ainda fossem inteligíveis, ainda sábias, ainda divertidas, capazes
de nos comover, de nos levar ao riso ou ao choro.
Embora
suas próprias teorias o impedissem de achar uma resposta, Marx humildemente reconhecia
valor e sensibilidade rara nos escritores da Grécia clássica. Já os habitantes
do século XXI, internautas entre eles, descartam a questão e fulminam o
passado:
-
Isso não é do meu tempo.
Trata-se
de uma ignorância bestial. Para essas criaturas, o mundo iniciou no dia em que elas
nasceram.
É
por isso que para elas basta curtir.
Por
exemplo: o sujeito curte uma foto – mas a foto é de um incêndio ocorrido em
Portugal ou de um vulcão que explodiu na Guatemala. Isso significaria que curtiu
o incêndio devastador, a desgraça havida, a arte do fotógrafo, ou apenas deixou
um recado: “estive aqui”?
Creio
que se trata do último caso. A ligeireza com que os olhos sobrevoam fotos e
textos na internet, misturando datas e nomes ou aproximando ideias e conceitos irreconciliáveis
como se fizessem parte da mesma lógica, é espantosa.
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