Há quem se surpreenda
com criaturas que optam pela ignorância.
Trata-se de um erro
grave pensar assim. Quem pensa dessa forma imagina que a ignorância não proporciona
nenhuma vantagem ou conforto ou paz.
Ao contrário do que
alguns imaginam, a ignorância é algo sumamente reconfortante, um verdadeiro
paraíso. O ignorante não imagina estar diante de algo que o desafie ou que ele precise
decifrar com os parcos recursos presentes em sua diminuta mente.
Por uma razão simples:
o ignorante já tem tudo resolvido em sua mente. Tudo ali está claro e é óbvio.
Ele tem um pequeno depósito de chavões e frases feitas com os quais resolve
todos os problemas que possam aparecer. Aliás, o ignorante nem mesmo vê
problemas nas questões que o cercam. Na verdade, problemas surgem quando alguém,
descontente com suas crendices ou doutrinas, se coloca na posição de
questionamento. Ou seja, só haverá problema se houver uma atitude ativa do
sujeito que pensa. É a inteligência e a curiosidade que criam o problema e, eventualmente,
a solução.
Tudo isso é contrário à
atitude do ignorante, com a vantagem de que esse se cansa menos, pois está dispensado
de pensar.
Convenhamos ser essa uma
atitude oposta a do cientista, que se tortura sempre com as hipóteses contrárias
às suas convicções. Um cientista precisa ter uma severa objetividade, deve levantar
dados, deve buscar não interferir com seus desejos no processo de conhecimento.
Isso significa que o cientista está obrigado a dobrar-se ao que está além de
suas crenças.
O mesmo se diga do
filósofo (não confundir com divulgadores que vendem o politicamente correto
como se fosse pensamento crítico) que reflete sobre tudo que acumulou de
conhecimento e o coloca em questão. O símbolo disso é a atitude de Sócrates que
dizia “só sei que nada sei”. Ou de Descartes, que chegou a duvidar da própria
existência para afinal chegar ao cogito. Ou de Deleuze, para quem a filosofia
nos obriga a retornar ao zero de conhecimento - e recomeçar.
Já o ignorante não
precisa disso. A ele basta uma crença, que pode vir da tradição ou do partido político
com o qual se identificou, dos costumes de sua tribo, dos dogmas de sua
religião.
No desgoverno
Bolsonaro, vimos essa idiotia encarnada numa ministra que declarou que é preciso
abandonar Darwin e colocar em seu lugar a Bíblia, com o que tudo ficará claro e
seguro. Nada mais a temer, nenhuma dúvida a infernizar nossos corações.
O próprio Bolsonaro,
sendo indivíduo criado na caserna – a qual, é sabido, não se dedica a formar grandes
intelectuais, mas homens disciplinados e convictos – disparou uma artilharia
contra a evidência de que no dia primeiro de abril de 1964 ocorreu um golpe de
estado no Brasil com a implantação de uma ditadura militar.
Sua aposta na
ignorância lhe permitiu negar tudo isso sem consultar bibliotecas, sem ler
historiadores. O resultado foi um delírio vergonhoso no qual ele chegou a rotular
Hitler de socialista. O mundo inteiro (a parte pensante dele) deu gargalhadas
do pitoresco presidente brasileiro.
O golpe e a ditadura militar
são óbvios nos tanques e tropas saídos de inúmeros quarteis. A ditadura é óbvia
pela repressão que instalou: prisões arbitrárias, sumiço de adversários,
assassinato de quem se opunha às forças militares. Houve censura estúpida à
literatura, ao teatro, ao cinema, à cultura, como se fôssemos bobocas que
precisassem de tutela militar para escolher o que pensar, ver, ler ou ouvir.
Enfim, isso está demonstrado por vasta documentação histórica. Basta ler algo
além de apostilas dos cursos da Escola Superior de Guerra.
Ou seja, Bolsonaro e
sua trupe apostam na ignorância. Mais ainda, ele e seus seguidores desejam
cultivar a burrice e a grosseria como armas políticas. Quanto maior o nível de
desinformação, tanto melhor para sacramentar delírios verbais em lugar de pensamentos.
Nada como a comodidade
de uma cabeça vazia, onde flutuam chavões e prepotência. Não exige esforço, não
exige leituras, pesquisas, bibliotecas. Enfim, não exige estudar.
A ignorância é o paraíso
das cabeças ocas.
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