domingo, 9 de outubro de 2011

Cuba antes e depois de Fidel




Noturno de Havana (Ed. Seoman) me lembra outro livro a respeito da ilha de Fidel – Viagem ao crepúsculo (Ed. Casa das Musas), do jornalista pernambucano Samarone Lima sobre o qual escrevi há cerca de um ano. Noturno é do jornalista norte-americano T.J.English, autor com alguns prêmios no currículo. Não é um livro brilhante e a edição brasileira tem uma desvantagem: a tradução é sofrível e a revisão é troglodita. Mesmo assim, povoado de personagens hoje míticos – Albert Anastasia, Lucky Luciano, Meyer Lansky e, que não se perca pelo nome, Santo Trafficante, tendo como atores coadjuvantes nada menos que Frank Sinatra e George Raft – o livro de English merece ser lido.
O que pode ligar essas duas obras é o que as afasta no tempo. Viagem ao crepúsculo, de Samarone, é pós-Fidel: fala dessa Cuba que o mundo acompanha há cinquenta anos e que para muitos de nós foi objeto de debates acalorados, quando não de pugilatos explícitos. Samarone mostra um país que, depositário de tantas esperanças, se desfez sob o tacão do autoritarismo, do dirigismo e do sectarismo. Um sonho desfeito. Num país como o Brasil – onde nada se discute, onde ninguém toma posição intelectual sobre nada, motivo pelo qual os debates sobre Cuba costumam não passar de uma descarga convulsiva de preconceitos – ilumina os impasses a que chegou a Cuba de Fidel.
Já o livro de T.J. English se encontra na outra ponta da história: pré-Fidel. Trata do sonho da uma ilha tropical onde tudo é permitido – a Cuba dos cassinos sob o controle da Máfia, o país de Batista, o ditador fanfarrão, visto com bons olhos pelos EUA. Um mundo de fantasias, de luzes e delírios, de boates e shows, de grandes festas, de jogatina, com a música de fundo sob a batuta de Pérez Prado e sua orquestra.
Essa Cuba pré-Fidel foi gestada muitos anos antes por duas figuras do submundo: Lucky Luciano e Meyer Lansky. Luciano, que vivia contrariado seu exílio na Itália, chegou a Cuba para se reunir com Lansky, um baixinho de 1,60m também conhecido como “Little Man”. Encontraram-se no Hotel Nacional e redesenharam seus antigos planos.
Perseguida nos EUA, a Máfia tinha como objetivo se estabelecer em Cuba como base de ações criminosas, plano que vinha dos anos 20, quando se tornara rota para o tráfico ilegal de bebidas. Luciano e Lansky não foram os primeiros mafiosos a chegar a Cuba. Al Capone teve essa primazia. Ele gerenciou seus negócios entre charutos, assassinatos e audições de Enrico Caruso, seu cantor preferido.
No entanto, é com Lansky que essa Cuba florescerá nos anos dourados de 1952 a 1959. O país gozará então de um crescimento extraordinário. Grandes hotéis-cassino, boates, turismo, estradas, luzes de néon, mambo, drogas e sexo. Tal “crescimento”, no entanto, serve apenas para mostrar que a festa se destinava a uma minoria de estrangeiros e nacionais agregados, além de uma multidão de turistas. A grande massa da população estava à margem, vivendo na miséria, em casebres, sob o tacão de Batista, “El mulato lindo”, que amealhava um milhão e meio de dólares mensais para manter o quintal em ordem.
Estava armada a festa dos anos dourados de Cuba, a projetada Monte Carlo do Caribe. Foi nesse ponto, o país mergulhado em corrupção, tráfico e jogatina, que apareceu Fidel, de início ignorado por Batista e pelos mafiosos, que não o levaram a sério até o último momento, quando fugiram da ilha levando dólares em maletas e abandonando fortunas acumuladas com base em atividades criminosas. Não foi sem motivo que Rolando Masferrer, matador de aluguel e senador cubano, tentou por duas vezes matar Fidel. Depois, quando a situação já estava perdida, Lansky – que ofereceu prêmio de um milhão de dólares para quem matasse Fidel – fez vários projetos de assassiná-lo, de comidas envenenadas a explosivos em charutos, mas já era tarde.
Pois entre essas duas Cubas, encontramos Fidel, que deu fim à festa do crime organizado. Mas Cuba não se tornou o paraíso sonhado pelos criminosos nem o paraíso socialista sonhado por Fidel. Continuam lá, apesar de avanços em áreas restritas, a miséria, o atraso, o espírito ditatorial, a liberdade cativa, as prisões arbitrárias e algumas coisas tristes e comoventes em seu primarismo. Cinquenta anos após a revolução, Cuba anuncia medidas que nos fariam rir se não escondessem tragédias: os cubanos poderão a partir de 01/10/2011 vender ou comprar seus carros! Talvez um daqueles cadilaques nos quais Albert Anastasia fumava charutos e mandava atirar em quem o aborrecia.

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