Quando eu era menino, os
padres faziam muitas festas de igreja. Na minha memória aquilo era uma espécie
de circo com brincadeiras de pescaria, de jogar argolas em garrafas e do tiro
ao pato. No caso, patos de metal que vinham nadando num mar desenhado na madeira,
fazendo um barulhinho chato, o que aumentava minha vontade de acertar todos
eles. Tiro ao pato era uma diversão e tanto.
Faço esse rodeio para
lembrar aos leitores que há algum tempo deixei de falar de, digamos, política.
É preciso ter saúde de ferro para seguir os atropelos da política nacional e,
confesso, minha saúde e paciência não são grandes coisas nesse caso. Abandonei
o assunto na crença delirante de que, ao abandoná-lo, ele me deixaria em paz.
Lêdo engano, como dizia meu professor de português. Como no caso dos patos de
tiro ao alvo, novos patinhos aparecem e o tiroteio continua.
Foi quando lembrei que
os patinhos, se me divertiam, me irritavam. Eu era bom de tiro e acertava
bastante, a bala de chumbinho estalava no metal e o pato caía para trás. Mas
logo vinha outro e, em seguida, aquele que caíra voltava à cena, já refeito.
Era enervante.
Pois é assim que tenho
visto a assim chamada política nacional nos últimos tempos. Na era Lula tínhamos
os patinhos da ocasião e seus nomes curiosos – mensalão, dólares na cueca, propinoduto,
valerioduto etc. – repetindo-se sem fim ou solução. Lula era mestre em fazer de
conta que não sabia de nada. Amoitava-se e a coisa passava. Surgia o escândalo
seguinte, a polícia federal armava mais uma operação com nome retirado da
mitologia grega, e a nação seguia seu curso cambaleante.
Agora, sob Dilma, temos
um arranjo diferente, mas a dança dos patos me parece a mesma. Surge um pato,
digamos, um ministro de tal pasta, afloram as denúncias, as gravações, os
documentos, as filmagens, e a presidente diz que não é nada, intriga da
oposição, denuncismo etc. Depois, acuada, diz que os malfeitos devem ser
apurados.
Bom, deixo de lado a coisa
dos patos para confessar que me irrita isso de malfeitos. Nunca gostei de eufemismos.
Acho que existe mesmo corrupção, roubo, extorsão, bandalheira – malfeito era,
em tempos passados e mais ingênuos, aquela coisa que homens de boa lábia costumavam
fazer com donzelas indefesas. Há roubo, portanto.
Bem, diante da
artilharia, lá vem o ministro nadando feito patinho. E tome tiro. Uma semana,
duas no máximo, cai o ministro. Quer dizer que não era denuncismo gratuito e
irresponsável da oposição. Ou não?
Imagino que sim. E logo
um novo patinho aponta no canto do cenário de tiro ao alvo. Começa tudo de
novo. Não é nada, diz a presidente. Mandei apurar, diz o seu secretário. Nada
se apura, as coisas são tão evidentes que nem precisam de apuração. E lá se vai
mais um ministro.
Assim, lá se foram vários
deles enquanto que o alvo atual diz que chumbinho não o derruba, será preciso
tiro de grosso calibre. Correndo o risco de ser injusto, me parece que não
existem ministros honestos – existem ministros que ainda não foram
investigados. Mas, tal como os patinhos, os ministros voltam à cena, circulando
por aí livremente, de alguns sabemos que se tornaram assessores, conselheiros, rasputins
de aluguel.
Como se sabe, o
denunciado de ontem, que multiplicou 20 vezes o seu patrimônio, hoje é um tipo
faceiro que sai de férias e dá assessoria. Se o tipo fez tais e tantos
malfeitos, para usar a linguagem piedosa da presidente, não seria o caso de
estar respondendo a processos? Que tal algemas e cadeia?
Mas não.
O Brasil é imenso nessa
arte de perdoar, de tudo absorver, complacente ao extremo. Eu, que sou dado a
me assustar com tais coisas, dia desses liguei a televisão e vi lá um rosto
hirto, duro, um olhar de águia vingadora acima dos lábios rígidos, a gravata
larga e a voz de trovão. Tirando o cabelo, que branqueou, reconheci de
imediato: Collor, aquele, com dois eles. Dirigindo trabalhos no senado,
presidindo uma alta comissão de assuntos internacionais.
Outro, que tinha algo a
ver com dólares da cueca, exerce mandato. Outro fica em casa e goza os prazeres
da fortuna. Outros não explicaram onde foram parar as propinas, o caixa dois,
as verbas desviadas. De que adiantou terem sido defenestrados?
Tal como os patinhos,
lá vêm eles de novo. Por isso não tenho mais escrito sobre isso que chamamos de
política. É irritante. Ao menos na minha infância era possível dar um tiro nos
patinhos.
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