O homem era pequeno e
gordo, mas parecia sólido. Um objeto redondo e forte. Os braços eram curtos, as
mãos eram grandes, o jeito de andar denunciava que estava cansado ou vencido
por alguma dor que desistira controlar. Movia-se com lentidão, não pelo cansaço,
mas por alguma determinação à qual se submetia.
Carregava um saco
plástico grande e negro, rebelde às suas tentativas de mantê-lo sobre os ombros.
O saco despencava para os lados a todo momento. Por isso ele dava solavancos
com os ombros, sacudindo vigorosamente a perna direita num chute brusco – o
saco ia para o lugar e ele andava uns metros. Logo a aflição recomeçava: o saco
deslizava, o homem dava um chute no ar e tudo se arranjava por alguns passos.
Gastara vários minutos,
talvez uns vinte, para ajeitar o que colocara dentro do saco. Parado ao lado da
caixa coletora de lixo do condomínio, foi escolhendo o que era de seu
interesse. Latas, via-se pelo brilho súbito. Mas também papéis, papelão, objetos
de plástico. Garrafas. O saco aumentava de volume e se deformava, enquanto o homem
lhe dava bofetões de um lado e outro para que se ajeitasse. Gastou nisso os
vinte minutos, depois fechou a caixa de lixo e lutou para colocar o saco nas
costas, no que gastou algum tempo, pois precisou devolver duas vezes o saco ao
chão, ajeitar algo dentro dele, chutá-lo com alguma irritação de um dos lados e
sacudí-lo com raiva para que tudo se arranjasse dentro dele. Ao final, se
plantou de pernas abertas diante de sua obra e a observou com ares de desafio.
De um só golpe, agarrou a boca do saco e o jogou sobre os ombros.
Devia ser pesado. Deu
um passo para a direita, outro para a esquerda e pareceu avaliar o seu destino.
Súbito, deu um arranque e subiu a rua, certamente o caminho mais difícil.
Vindo de uma rua
lateral, o primeiro rapaz, camuflado na escuridão da rua, passou ao lado dele e
parou para observá-lo. Outro rapaz surgiu, pilotando um skate, e não teve tempo
de desviar. Fez uma manobra brusca e trombou no braço do homem, que deu um
berro e rodopiou, largando o saco no chão.
O homem esbravejou, os
braços pequenos ergueram as mãos enormes, e disse vários palavrões.
Os dois rapazes apenas
olharam para ele, sem reagir.
O homem ameaçou avançar
sobre eles, mas parou quando eles ficaram um de cada lado, esperando o ataque e
prontos para se defender.
Disse outros palavrões,
agarrou o saco com raiva e o jogou sobre o ombro. Foi quando dois outros
rapazes chegaram de bicicleta.
Agora estava cercado.
Os rapazes conversaram
em voz baixa, olhando para ele.
O homem estufou o
peito, deixou o braço esquerdo bem aberto, como se fosse uma arma perigosa, e
deu um passo. Os rapazes aproximaram-se. Ele deu um giro para olhar cada um
deles, mas não se moveu do lugar.
As bicicletas avançaram
em sua direção. Tiraram um fino, uma de cada lado, e ele, assustado, mal
conseguiu se manter de pé. Socou o ar e rosnou, engolindo certamente algum
palavrão. Foi quando o outro rapaz atingiu suas costas com o skate, derrubando
o saco.
Pelo chão ficaram
esparramados papéis, papelões, plásticos e algumas garrafas, Uma delas quicou
no asfalto e quebrou. O homem avançou sobre um pedaço da garrafa e o empunhou
como se fosse um punhal. Já não falava nem dizia palavrões. Com a mão esquerda
fazia gestos desafiando que viessem. A mão direita empunhava a arma.
Os rapazes riram. Um
deles imitou seu gesto segurando o pedaço de garrafa. Outro fingiu que tremia
de medo. Puseram-se a girar em torno dele, aos gritos, enquanto ele tentou
atingi-los com golpes inúteis até cair no chão. Antes de sumir pela mesma rua de
onde haviam surgido, os rapazes deram chutes nos papéis, papelões e garrafas.
Depois se foram às gargalhadas.
O homem custou a se
levantar. A mão com a qual segurara a garrafa estava cortada e sangrava. Tirou
um pano sujo do bolso e embrulhou a mão. Levantou-se. Recolheu tudo que se
espalhara no asfalto. Levou nisso mais de vinte minutos. Tudo terminado, deu um
solavanco, um golpe com a perna direita e recolocou a carga nos ombros.
Poderia descer rua
abaixo, mas preferiu a direção contrária, que no entanto parecia a mais
difícil.
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