O caso Pinheirinho já saiu dos noticiários, mas acho
necessário ir contra a lógica do jornalismo – que beneficia os governantes
incompetentes ou corruptos, pois os fatos de hoje apagam tudo que aconteceu
ontem - e insistir naquilo que esse episódio tem de infelizmente perene.
Todos nós já ouvimos “autoridades” declararem, face a
atrocidades que cometeram, que estavam cumprindo ordem judicial, ocasião em que
enchem o peito – como se fossem grandes paladinos da justiça – para arrematar: “ordem
judicial não se discute, cumpre-se”.
As “autoridades” são cínicas por natureza, ou não
chegariam a tais postos. No caso Pinheirinho, em que se colocou para correr
centenas de pessoas abaixo de pancadaria braba, novamente assistimos a mesma
encenação, agora protagonizada pelo governador de São Paulo, o semsaboroso
Geraldo Alckmin, sujeito dado a missas dominicais e discursos tatibitates.
Há dois lados interessantes nesse caso. Primeiro, o
tempo decorrido desde a tal “ordem judicial” e seu cumprimento. O caso Pinheirinho
rola desde 2004, no mínimo. Como, pelo que dizem, deveriam cumprir a tal ordem,
era tarefa das autoridades providenciar condições para tanto. Por exemplo: como
seria feita a remoção, quando seria efetuada, para onde seriam deslocadas essas
pessoas, em que condições minimamente dignas etc. etc. Um trabalho que não
deveria, é claro, ser executado pela polícia, que não prima pela delicadeza, mas
por órgãos do Estado dedicados à assistência aos mais necessitados.
O outro lado é tão cruel quanto. Quando se trata de
precatórios, por exemplo, também existe “ordem judicial”. No entanto, basta
darmos uma olhada nos casos correntes para encontrarmos pessoas que morreram esperando
pela reparação de seus direitos – são aposentados, ex-funcionários públicos,
pessoas que foram presas injustamente, que tiveram seus bens confiscados, que
sofreram prejuízos morais ou financeiros causados pelo Estado etc. Passaram a
vida inteira batalhando kafkianamente contra o cinismo do Estado.
Convivemos, portanto, com um imenso calote nacional
em andamento sem que nenhuma dessas “autoridades” levante seu dedinho sapiente
para dizer que “ordem judicial não se discute, cumpre-se”.
Por outro lado, o Judiciário e o Executivo – um autorizando
e o outro pondo em prática a distribuição de bangornadas na população pobre – são
os mesmos que, ao sentirem ameaçados seus pares por investigações da CNJ ou ao
verem sujeitos engravatados ornados com algemas, estufam o peito e bradam
contra injustiças feitas “ao arrepio da lei”.
Quando, no entanto, cinco policiais – para ficar só
numa das imagem do Pinheirinho – escorraçam com pancadas um pobre coitado
indefeso que queria apenas cair fora, as “autoridades” não sentem qualquer arrepio.
Vão à missa ou trocam brindes de champanhe com o mesmo cinismo na cara.
NOTA: uma análise muito boa sobre o tema
Pinheirinho e as decisões judiciais, pode ser encontrada no site do Instituto
Humanitas Unisinos. Basta clicar aqui.
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