A biografia de Steve
Jobs (Walter Isaacson, Cia das Letras), um calhamaço de 608 páginas, segue o
padrão de biografias norte-americanas. O autor liga um gravador no primeiro
parágrafo e o mantem acionado até à última página. Fatos em avalanche. O
relevante e o irrelevante. O contrário do estilo minimalista que Jobs imprimiu
à Apple. Mas tem um mérito: busca um ser humano real.
O tema de fundo é o menino
abandonado. Doado pelos pais biológicos, foi criado por Paul e Clara Jobs, pelos
quais foi protegido e amado. O pai, que fora mecânico na marinha, iniciou Steve
em parafusos e porcas na oficina na qual reformava carros para revenda.
Surpreende que, tendo
sido tão amado pelos pais adotivos, Steve jamais tenha superado esse trauma. Em
tudo que fazia lá estava o abandono. Daí não ter reconhecido a filha Lisa, do
namoro com Chrisann Brennan, que se referiu a ele como “um ser iluminado e
cruel”.
Sua irmã, a romancista
Mona Simpson, relevou um episódio que ilustra esse relacionamento com o pai. Ela
também sofria por desconhecer o pai biológico e colocou detetives no seu
encalço. Acabou encontrando Abdulfattah Jandali, o pai. Passou a encontrar-se
com ele sem, no entanto, falar de Steve, que Jandali não imaginava ser seu
filho. Certo dia, ele lhe contou que já dirigira um restaurante de algum
sucesso e acrescentou, orgulhoso:
- Lá aparecia muita
gente importante. Até o Steve Jobs foi lá um dia. Cheguei a pedir um autógrafo
a ele.
Mona gelou, mas nada
revelou ao pai ou a Steve. Quando, mais tarde, falou com Steve a respeito do pai,
ele não quis conhecê-lo, ainda que guardasse lembrança do simpático proprietário
de restaurante com quem conversara. Seu pai.
Quando estudantes, Steve
e Wosniak, embora fossem o avesso um do outro, se encontraram e o resto é a história
da Apple, desenrolada a partir da garagem que Paul Jobs cedeu ao filho. Steve
era extrovertido, falador, impositivo, decidido, afoito e sonhava conquistar o
mundo. Wosniak era introvertido, tímido, calado, solitário, mergulhado na
eletrônica. Foi o casamento ideal. É equívoco pensar que Wosniak não passava de
um bobão ou que Steve se aproveitou do talento do amigo. O próprio Wosniak se
encarregou de esclarecer: “sem mim, Steve jamais teria feito o que fez e eu,
sem Steve, jamais teria feito o que fiz”. Ponto final.
Steve não era um gênio
da eletrônica – Wosniak, sim. Não era inteligente no sentido que essa palavra é
aplicada a cientistas e filósofos – mas era intuitivo e brilhante. E não era um
executivo. Não gostava de dinheiro e jamais pensava em lucros ao conceber seus
projetos. Seu interesse eram os produtos em si. Desprezava dinheiro. Com sua capacidade
de “distorcer a realidade”, era um visionário. Sabia exigir, imaginar, tirar
sangue de sua equipe. Um tirano muitas vezes, não raro cruel, autoritário
sempre.
Tinha outro traço,
comum a muitos de sua geração: desejava ser fiel aos ideais da juventude. Admirador
de Bob Dylan, usava um cabelão enorme, roupas sujas, pés no chão e, o pior, não
tomava banho. Fedia à distância. Tinha uma teoria para a fedentina: era
vegetariano e acreditava que vegetarianos não fedem. Só os carnívoros. Na Atari,
tanto pela fedentina quanto pelo gênio intratável, trabalhava sozinho, à noite,
isolado de todos. Só foi tomar banho, aparar a juba e usar roupas limpas quando
precisou vender suas maquinetas.
As dietas malucas que
inventava podem estar na origem de seus problemas de saúde, somadas ao ritmo
maníaco de trabalho. Namorou Jean Baez e o zen budismo. Coisas da juventude.
Tal como as drogas. Iniciava suas palestras perguntando quantos dos presentes
já haviam experimentado LSD. Achava-se um contestador infiltrado no sistema.
Todos passamos por isso.
Maníaco na busca da
perfeição, sua estética era a da Bauhaus. “A simplicidade é a máxima
sofisticação”, dizia. Entre a máquina e o sistema operacional deveria haver uma
simbiose absoluta, o pacote integrado, o que o afastaria de Bill Gates, com
quem brigaria vida afora. Não pensava em dinheiro, mas ficou bilionário aos vinte
e poucos anos.
Complexo,
contraditório, maníaco, talvez genial. Reflexo de seu tempo e reinventor de seu
tempo. Seu último depoimento diante da morte foi também sofrido e
contraditório. Ele, que odiava os botões de liga/desliga, se resignava. Talvez
tudo se resumisse a isso: “Clique! E
a gente já era”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário