Eu já saia do posto de
gasolina quando o sujeito se aproximou. Tinha o rosto enrugado e mãos
calejadas. Abriu um sorriso meio moleque e me perguntou:
- Quer vender o Opala?
Respondi com um sorriso
equivalente:
- Não. Esse eu não
vendo de jeito nenhum.
- Tenho um também, disse
ele.
- Que ano?
- 72.
- O meu é 73.
- Tô vendo, disse ele,
esperto. Pois sabe que já me ofereceram 30 mil pelo meu e não vendi?
- Nem deve vender.
- Acho que não, mas...
É que a gente vende e depois fica sem ele. Não vejo vantagem. Dinheiro é coisa
que some num instante. É uma troca, não é? A gente recebe o dinheiro, dá o
carro. E fica sem o carro.
- É verdade.
- Coisa do comércio. Dá
lá toma cá. Mas de que me adianta o dinheiro se não tenho o carro?
- Não adianta de nada,
concordo, cedendo a essas divagações profundas sobre a teoria econômica.
- Depois – ele aponta a
calça suja de graxa – eu sou mecânico. Chega no domingo, não tenho o que fazer.
Vou cuidar do Opala. Se fico dentro de casa, dá briga com a mulher. Quero ver
futebol, ela quer ver o Faustão. E eu fumo. Ela reclama do cigarro. Então, vou
pro quintal, fico fumando, ando de um lado para outro, fumo mais um pouco. Mas
fumar muito dá tosse, não é mesmo? Então, só tenho o Opala para me distrair. Se
vendo, como fica meu domingo?
Não respondi. O momento
era denso e dramático, fiquei quieto, balançando a cabeça. Ele me olhou sério e
arrematou:
- O melhor do domingo é
cuidar do carro – suspirou e pensei que ia se despedir, mas continuou: O diabo
é que a mulher agora anda implicando com o Opala.
- Não me diga! Por quê?
- Coisa de mulher. Diz
que passo mais tempo com ele do que com ela. Acho que tem ciúmes. E reclama das
despesas com peças, com óleo e gasolina, reclama de tudo. Quando mando lavar e encerar
o carro, é briga pra semana inteira.
- Mulher é assim mesmo,
disse eu, bestamente.
- Não é não, ele me
corrigiu. Quer dizer, não era. Nunca ligou pro carro, preferia esses programas
de televisão. Mas agora que nossa filha casou, quer dar tudo pra ela. Só pensa
nisso. E, quando não tem grana, a culpa é de quem? – me olhou firme nos olhos e
tornou a perguntar: De quem?
- Do Opala, respondi.
- Isso mesmo, do Opala.
Coitado do Opala – concluiu, desolado.
Foi quando disse a ele
que não entedia como, tendo um Opala que já lhe causava tanto transtorno, queria
comprar mais um.
- Não quero comprar,
não.
- Mas o senhor
perguntou se eu queria... – tentei dizer.
- Calma, amigo. Nem
tenho grana. Perguntei só pra puxar conversa. Eu tenho um 72, o amigo tem um
73. O meu é câmbio no volante...
- As marchas acavalam
às vezes – comentei.
- Vez que outra.
- Banco da frente
inteiro. Quatro portas.
- Isso mesmo. Grade com
fundo preto. Então, dá vontade de conversar. Já notou como a gente sempre
encontra com quem conversar quando tem um carro como o Opala?
- É verdade.
- Pois então, foi só por
isso.
Ficou com meu número de
celular. Prometeu me passar o endereço de um sujeito que é um artista no conserto
de radiadores. Nos despedimos como velhos amigos.
que sensacional essa história, eu que ja tive a honra de pegar uam carona nesse "73" (o mesmo ano em que nasci) sei bem como ele é. Eu ja pensei em ter um carro só pra vida toda, mas não tenho nenhum ainda. Será que em 2050 alguem me para no posto de gasolina e me pergunta...quer vender o carro?
ResponderExcluir_______Jefferson Schnaider