Costumamos ver as
cidades como se fossem um mapa. Uma extensão disposta no espaço. Ruas, casas,
prédios, praças, monumentos. Sob o predomínio do olhar. É compreensível. Para
nossa orientação talvez precisemos ver as cidades como algo acabado e estático.
É claro que o tempo pode aparecer aqui e ali como efeito de contraste: uma
construção mais antiga, outra mais nova, aquela outra caindo aos pedaços.
Tudo, no entanto, no
espaço. Sem o tempo.
Pois andei lendo um
livro que consegue, de um modo curioso e divertido, introduzir o tempo nessa
equação. Trata-se de Próxima estação,
Paris, (Paz e Terra, 2011), escrito por Lorànt Deutsch, tendo o seguinte subtítulo:
uma viagem histórica pelas estações do
metrô parisiense. Ator e filósofo, Lorànt une o grande amor que dedica a Paris
a outra de suas paixões, a história. O resultado é um livro instigante. Vira
pelo avesso a visão espacializada e atemporal de cidade que por razões
pragmáticas somos levados a adotar.
Trata-se de um passeio
– com suporte em grande conhecimento histórico – ao longo de vinte séculos. Cada
uma das estações de metrô – por onde multidões passam indiferentes – conta inúmeras
histórias e guarda os seus vestígios. Mas não se trata de livro descritivo ou
de um guia para turistas. O mote é investigar cada rua, viela ou palácio, como
o faria um historiador ou um arqueólogo.
A primeira estação, o
marco zero, é a da Île de la Cité. A
mais de vinte metros abaixo do nível do Sena, somos levados a um recuo no tempo.
É de lá que o autor emerge, seguindo uma velhinha parisiense e acompanhado pelo
leitor, na superfície onde se encontra o mundo que ali havia no século I a.C.
Somos apresentados a um
lugar onde não há nada. Ou quase nada. São ilhotas, seis ou sete, com meia
dúzia de cabanas e alguns pescadores. A Lutécia que os parisienses imaginam ter
existido ali se encontra em outro lugar, soterrada no subsolo de Nanterre.
A partir desse cenário,
o autor coloca Paris em movimento e conta suas histórias. Devo dizer que não
são histórias tranquilas e, na maioria, nada edificantes. Os romanos a
destruíram algumas vezes, os visigodos desceram em avalanche para saqueá-la, os
germanos, cumprindo velha obsessão, tentaram subjugá-la. E mesmo quando os inimigos
externos se vão, os franceses se encarregam de produzir encrencas, conflitos, guerras,
rebeliões, revoluções. Uma mortandade sem fim. Frio e fome e ratos servidos nas
refeições, temperados com pestes e epidemias várias.
Por ali desfilam tribos,
reis e príncipes que lutam entre si – e para os quais matar um pretendente ao
trono, mesmo que seja um menino de quatro anos, é mero detalhe tático. Em sua
loucura, derrubam palhoças, incendeiam casas e igrejas, demolem fortalezas,
derrubam abadias, torres, catedrais. Mas a cidade renasce. De seus destroços surge
outra muralha, novos palácios, igrejas. Um rei remodela o palácio do antecessor,
derruba paredes, acrescenta à construção alas num estilo diverso.
Paris é um terremoto
interminável. Um sobe e desce de edificações, um redesenhar de ruas e praças, movido
pelos ódios, doideiras e vaidades humanas. Uma torre se ergue, uma igreja desaba,
uma rua se fecha, uma praça se expande. Até ser entregue a seu urbanista mais celebrado,
o barão Huissmann, a cidade nos oferece o espetáculo de um movimento incontrolável.
Que não cessará depois dele.
Aquela praça era um
pântano. O Louvre não era o mesmo nem era para ser assim. Da Bastilha restou
uma pedra encalhada numa calçada. É verdade que todas as cidades sofrem
mudanças, mas aqui o tempo é muito extenso, os acontecimentos são incontáveis,
as alterações são radicais, a história se deposita em cada pedra do caminho e
repercute mundo afora. Eis como uma geografia pacificada se revela uma
avalanche. O ser humano, imitando a natureza, cria e recria em ciclos de
destruição e reconstrução, eis tudo.
Mas, como nossa aflição
exige chão firme para pisar, desejamos, exaustos, que Paris seja e continue
sendo Paris, aquela que ali está.
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