A primeira vez que ouvi
falar em “voucher” foi numa conversa com uma dessas telefonistas de hotel com
voz de robô assexuado. Fiz uma reserva, mandei comprovante de depósito e ela me
disse que me mandaria o voucher.
Distraído, levei um
susto. Eu não havia encomendado nada, muito menos uma coisa que se chamasse
voucher. Perguntei do que se tratava, mas ela apenas repetiu:
- O voucher, Senhor. Estaremos
enviando o voucher.
Considerando o
gerundismo da moça, me ocorreu que deveria ser palavra inglesa. Como minha
lembrança era vaga, fui ao dicionário e encontrei:
Voucher – sentido (1) responsável,
fiador. (2) comprovante, prova. (3) recibo, certificado, certidão. (4) vale, ticket. Comprovar, dar
recibo, certificado ou comprovante. Comprovar com
documento.
Tratava-se, portanto, do antigo e conhecidíssimo comprovante,
o simpático recibo desde lusitanas eras. Acontece que a palavrinha virou outra
das pragas de linguagem que correm pelo Brasil corporativo. Hoje mesmo, numa
ligação a um banco, me pareceu reencontrar a mesma telefonista-robô com voz
assexuada.
- O senhor vai estar recebendo um voucher – me
disse ela.
Fico pensando por qual razão trocar o liso, claro
e direto recibo ou comprovante por um trambolho como voucher? Não entendo. Não
houvesse palavra correspondente em português, tudo bem. Mas, recibo,
comprovante, nada mais corriqueiro, prático e simples. Voucher?
Esclareço aos leitores
que não faço parte dos puristas que querem impedir a incorporação de palavras
estrangeiras ao vocabulário nacional. Nada a ver com o senador Aldo Rebelo, esse
triste dom Quixote da pureza do português castiço, nem com um certo ex-governador do Paraná
que pretendia decretar o fim de estrangeirismos em anúncios e placas. Sei, por
pensar com meus próprios neurônios, que todas as línguas fazem incorporações,
aquisições, canibalismo saudável e promíscuo, e que, analisadas com o passar do
tempo, todas roubam umas das outras. Nenhum purismo patrioteiro, portanto.
Mas sei também que
existem as bobagens, os cacoetes marcados por mera ignorância ou simples
pedantismo. No caso, algum executivo gerente de hotel dos EUA deve ter vindo
fazer palestras corporativas no Brasil e, no meio do falatório, largou um voucher
– que é o comprovante lá deles, não mais que isso – e os deslumbrados daqui
descobriram o voucher. A tribo tupiniquim tem dessas coisas.
Certa ocasião, um amigo
me provocou defendendo o uso do verbo deletar em português sob a alegação de
que não tínhamos palavra correspondente. Era um rapaz inteligente e simpático,
mas iludido pela informática. Tive que explicar a ele que havia – além do óbvio
apagar – o verbo delir, que significa exatamente apagar, ou seja, exatamente o
mesmo que deletar. E mais: deletar tem origem latina. Nunca ouvira falar em
“delenda Cartago”? E deleatur? Enfim, pelo que me dizem, deletar vem do latim
deletus, particípio passado do verbo deleo. Onde a língua inglesa foi buscá-lo.
Nada contra. Como temos
os verbos apagar e delir, deletar só entrou em circulação por conta de uma
tecla de computador. Tudo bem. Soa como latim.
Enfim, se é preciso
entender que as trocas entre línguas diferentes são justíssimas, é preciso
também entender que a língua é um campo de batalha. Tanto é legítimo fazer
aquisições, como é legítimo lutar contra aquisições tolas.
O mesmo acontece com
palavras portuguesas que, por automatismo, passam a ser uma espécie de cacoete,
como no modismo chatíssimo do uso de “diferenciado”. Ora, diferenciado quer
dizer apenas diferente, não mais. No entanto, o uso atual força a palavra a
significar que se trata de uma qualidade superior. Comentaristas de futebol
adoram dizer que um craque é diferenciado. Ora, um perna-de-pau também é
diferenciado por ser diferente dos demais em sua ruindade com a bola.
No mínimo, esses tipos
que usam demasiado a palavra diferenciado me parecem muito pouco diferenciados.
Os que usam voucher, idem.
Não passo recibo.
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