Eis que o mundinho no
qual vivemos, tão repetitivo e triste, nos reservou uma surpresa. Fomos
embalados pelo bóson de Higgs, que nenhum de nós sabe muito bem o
que é, mas que acende a imaginação de todos.
Faz bem sabermos que
existem no mundo acontecimentos que não decorrem apenas da ganância, da
violência, da roubalheira. Tomamos conhecimento de cientistas que gastam seu
tempo e seus neurônios na busca de explicações para a formação e constituição
do universo.
Acontece que tais
explicações lembram um comentário de um amigo meu, Antonio Manoel dos Santos
Silva, craque sabedor de todas as literaturas. Há alguns anos, conversando com
professores da área de física após um jantar e bons vinhos, ele anunciou que eles,
os físicos, e não os cultivadores dessa flor esquisita chamada literatura, são
os verdadeiros ficcionistas.
A reação bem humorada dos
físicos mostrou que são inteligentes: concordaram com o comentário.
Desde então penso que as
teorias da física sobre o universo são algo próximo da fantasia desenfreada ou
da poesia mais delirante.
Outro amigo, André
Ambrósio, que é do ramo, me mandou uns links a respeito do tal bóson. Como eu
já estava fisgado pelo assunto, sai de click em click a ler textos, assistir vídeos,
entrevistas com professores e ganhadores de prêmio Nobel. Andei de um lado para
outro, feliz da vida, maravilhado, mas devo confessar: entendi muito não. É
verdade que saí da incursão por tão sapientes textos e vídeos, um pouco menos
ignorante a respeito das teorias físicas. Mas não muito.
Fiquei pensando nas
suposições do Modelo Padrão da física e, aos poucos, na medida em que ia até a
cozinha tomar um cafezinho, acendia um cigarro, andava de um lado para outro,
comecei a sentir certo incômodo.
O átomo, como sabemos,
é ideia antiga e meramente especulativa. Foi colocada em circulação pelo pensador
grego Demócrito, que viveu lá pelo século IV aC. Como sou meio óbvio nessas
coisas, guardei que o átomo é, por definição e etimologia, indivisível. Pois no
mundo em que vivemos, que explodiu tantas bombas, cidades e torres gêmeas,
também explodiram com o átomo, que agora tem vários componentes, três deles já
nossos conhecidos dos tempos de escola: elétrons, prótons e nêutrons.
Daí vem a primeira
dificuldade que me faz lembrar a irritação de um professor de filosofia,
aristotélico ortodoxo, que decretava: “se dividiram, não era o átomo”.
Pode ser uma dessas
questões apenas semânticas, como dizem os especialistas. Acontece que temos
sido apresentados a outras partículas atômicas: pósitron, neutrino, méson,
fóton etc. Toda a questão, portanto, parece se resumir ao seguinte: donde surge
a massa no universo?
Daí, o bóson. Alguém
tinha que resolver o problema e trabalhar pesado, ao invés dos outros elementos,
que aparentemente só se dedicavam ao agito eletromagnético. O bóson cria a
massa. Só faltava ele existir, o que era duvidoso e levou o físico Stephen
Hawking a apostar 100 dólares que jamais seria detectado. Stephen terá que
colocar a mão no bolso. E talvez Higgs receba o Nobel, com o que deixará de ter
problemas em colocar a mão no bolso.
Mas onde ficamos? Bom,
após outros cafezinhos, fiquei pensando naquele momento, um milionésimo de
segundo antes do big-bang, em que, em meio a uma nuvem de flutuações energéticas,
súbito um bóson, insatisfeito com o vazio em que se encontrava, criou a massa.
Isso talvez resolva o
problema dos físicos e de seus modelos. Mas não resolvem o meu problema, que é
outro. Fico pensando: por que diabos, do nada – supõe-se que antes seria o nada
– uma partícula decide criar massa?
Fui à janela e fiquei
olhando a miríade de átomos e bóson e elétrons que formam as ruas, os prédios,
as outras janelas da cidade, a chuva que cai desde o amanhecer, e não encontrei
resposta. Ou encontrei uma, que não é das piores: as especulações dos físicos nos
dão grande prazer intelectual e aguçam nossa curiosidade, mas não explicam o
que faço eu aqui, nessa janela, ao mesmo tempo parte e observador desse tumulto
atômico. Não explicam, mas sugerem Louis Armstrong cantando: “what a wonderful
world”.
Lá isso é. Belo mundo.
Belas teorias. Quase poemas.
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