Adalberto calculava o
imposto de renda de um cliente quando ouviu um alarido crescer pelo corredor.
Saltou da cadeira, abriu a porta do escritório e deu com dona Doralice, sua
secretária, aos berros:
- Tem um homem nu na
escada, seu Adalberto!
- Por favor, dona
Doralice, acalme-se. Homem nu é em outro texto e de outro autor. Aqui não tem
homem nu.
- Como que não tem!? –
Doralice estava siderada – Abra a porta e veja.
Adalberto abriu a porta
e viu o corredor vazio.
- Não tem ninguém no
corredor, Doralice.
- Meu Deus, disse ela.
Eu vi!
Foi quando Adalberto
olhou pela janela. Não viu homem nu algum, mas lá na rua havia uma correria
exagerada. O pipoqueiro largou o carrinho e atravessou a rua. Um guarda avançou
pela calçada oposta, a mão na cintura, pronto a sacar a arma. Em cada porta de
loja, dois ou três curiosos espiando.
Por via das dúvidas, Adalberto
abriu a porta e tornou a examinar o corredor. Foi quando o homem nu emergiu da
escada. Adalberto foi empurrado por ele, que invadiu o escritório, aos berros:
- Por favor! Por São
Francisco! Preciso me esconder aqui!
O homem nu saltou por
cima do sofá e se escondeu atrás da mesa.
- O senhor pode me
explicar...
- Querem me matar,
disse o homem, levantando-se por detrás da mesa.
Dona Doralice deu um
grito, cobrindo a boca com a mão e arregalando os olhos, escandalizada. Adalberto
pensou que era estranho. Sempre que uma mulher é surpreendida por um homem nu
ela coloca a mão na boca e arregala os olhos. Não seria o caso de fechar a boca
e colocar a mão nos olhos?
- Me explique o que está
acontecendo, exigiu Adalberto. Mas se abaixe atrás da mesa para não assustar dona
Doralice.
O homem explicou que
estava no prédio ao lado, num apartamento do segundo andar, quando o marido
apareceu.
- Marido?
- O marido da Cotinha,
meu senhor. Ele disse a ela que ia viajar.
- Conheço essa
história, disse Adalberto. Agora é um conto. E de outro autor.
- Pois é.
O marido entrou no
apartamento com o revólver em punho. Só não o atingiu porque era ruim de
pontaria. Foi quando ele saiu correndo porta afora, nu daquele jeito, que
fazer? Quando chegou à rua, causou tamanho escândalo que resolveu entrar nesse
prédio – o seu, queriam me linchar.
- E agora? – o homem,
aflito, se pôs de pé e dona Doralice soltou um gritinho, a mão na boca, os
olhos arregalados.
- Calma, pediu Adalberto,
calma. Já não basta a má fama desse prédio, agora me aparece um sujeito pelado.
Bateram na porta. Adalberto
mandou o sujeito se esconder no banheiro, abriu a porta. Dois policiais. Um
deles perguntou: um homem nu entrou aqui? Não, disse ele. Virou-se para o
interior do escritório: A senhora viu algum homem nu, dona Doralice?
- Deus me livre e
guarde!
Os três andares do
prédio, incluindo-se o bar e o inferninho que funcionam no térreo foram
vasculhados. Nada. Quando a polícia desistiu e aconselhou o marido traído a
sumir com aquele revólver, Adalberto tirou as calças e as entregou ao homem.
Catou uma camiseta que era usada como pano de chão e o homem se vestiu. Dona
Doralice suspirou aliviada e os dois, disfarçados de casal, saíram abraçados,
sem que a turma que ainda se juntava na rua desconfiasse.
Adalberto telefonou
para a mulher e pediu que lhe trouxesse uma calça.
- Como assim? – gritou
ela. E a sua calça?
- Já te explico, não
complica. Senão vira uma novela de outro escritor. Traz a calça.
Dona Doralice faltou ao
trabalho no dia seguinte. Entendesse, telefonou ela, levei um choque. No segundo
dia apareceu sorridente, abraçada ao sujeito que, de roupa nova, nem parecia o
mesmo pelado que invadira o escritório. Devolveram a calça ao Adalberto e dona
Doralice pediu só mais aquela tarde de folga. Entendesse.
Adalberto entendeu.
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