domingo, 21 de outubro de 2012

O outro homem nu




Adalberto calculava o imposto de renda de um cliente quando ouviu um alarido crescer pelo corredor. Saltou da cadeira, abriu a porta do escritório e deu com dona Doralice, sua secretária, aos berros:
- Tem um homem nu na escada, seu Adalberto!
- Por favor, dona Doralice, acalme-se. Homem nu é em outro texto e de outro autor. Aqui não tem homem nu.
- Como que não tem!? – Doralice estava siderada – Abra a porta e veja.
Adalberto abriu a porta e viu o corredor vazio.
- Não tem ninguém no corredor, Doralice.
- Meu Deus, disse ela. Eu vi!
Foi quando Adalberto olhou pela janela. Não viu homem nu algum, mas lá na rua havia uma correria exagerada. O pipoqueiro largou o carrinho e atravessou a rua. Um guarda avançou pela calçada oposta, a mão na cintura, pronto a sacar a arma. Em cada porta de loja, dois ou três curiosos espiando.
Por via das dúvidas, Adalberto abriu a porta e tornou a examinar o corredor. Foi quando o homem nu emergiu da escada. Adalberto foi empurrado por ele, que invadiu o escritório, aos berros:
- Por favor! Por São Francisco! Preciso me esconder aqui!
O homem nu saltou por cima do sofá e se escondeu atrás da mesa.
- O senhor pode me explicar...
- Querem me matar, disse o homem, levantando-se por detrás da mesa.
Dona Doralice deu um grito, cobrindo a boca com a mão e arregalando os olhos, escandalizada. Adalberto pensou que era estranho. Sempre que uma mulher é surpreendida por um homem nu ela coloca a mão na boca e arregala os olhos. Não seria o caso de fechar a boca e colocar a mão nos olhos?
- Me explique o que está acontecendo, exigiu Adalberto. Mas se abaixe atrás da mesa para não assustar dona Doralice.
O homem explicou que estava no prédio ao lado, num apartamento do segundo andar, quando o marido apareceu.
- Marido?
- O marido da Cotinha, meu senhor. Ele disse a ela que ia viajar.
- Conheço essa história, disse Adalberto. Agora é um conto. E de outro autor.
- Pois é.
O marido entrou no apartamento com o revólver em punho. Só não o atingiu porque era ruim de pontaria. Foi quando ele saiu correndo porta afora, nu daquele jeito, que fazer? Quando chegou à rua, causou tamanho escândalo que resolveu entrar nesse prédio – o seu, queriam me linchar.
- E agora? – o homem, aflito, se pôs de pé e dona Doralice soltou um gritinho, a mão na boca, os olhos arregalados.
- Calma, pediu Adalberto, calma. Já não basta a má fama desse prédio, agora me aparece um sujeito pelado.
Bateram na porta. Adalberto mandou o sujeito se esconder no banheiro, abriu a porta. Dois policiais. Um deles perguntou: um homem nu entrou aqui? Não, disse ele. Virou-se para o interior do escritório: A senhora viu algum homem nu, dona Doralice?
- Deus me livre e guarde!
Os três andares do prédio, incluindo-se o bar e o inferninho que funcionam no térreo foram vasculhados. Nada. Quando a polícia desistiu e aconselhou o marido traído a sumir com aquele revólver, Adalberto tirou as calças e as entregou ao homem. Catou uma camiseta que era usada como pano de chão e o homem se vestiu. Dona Doralice suspirou aliviada e os dois, disfarçados de casal, saíram abraçados, sem que a turma que ainda se juntava na rua desconfiasse.
Adalberto telefonou para a mulher e pediu que lhe trouxesse uma calça.
- Como assim? – gritou ela. E a sua calça?
- Já te explico, não complica. Senão vira uma novela de outro escritor. Traz a calça.
Dona Doralice faltou ao trabalho no dia seguinte. Entendesse, telefonou ela, levei um choque. No segundo dia apareceu sorridente, abraçada ao sujeito que, de roupa nova, nem parecia o mesmo pelado que invadira o escritório. Devolveram a calça ao Adalberto e dona Doralice pediu só mais aquela tarde de folga. Entendesse.
Adalberto entendeu.


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