André Seffrin, na apresentação
cheia de picardia (Pardal Mallet, edição ABL, 2012), é o primeiro a advertir:
“ao contrário do que se imagina não é pseudônimo”.
Figura curiosa,
jornalista e escritor, polemista e ativista político, chamava-se João Carlos de
Medeiros Pardal Mallet. Autor de romances, contos, ensaios e de uma vasta
colaboração na imprensa. Nascido em Bagé, 1864.
Pardal faz parte de um grupo
de intelectuais que merece ser melhor conhecido. Após o Modernismo certas
figuras das gerações anteriores sofreram um apagão na memória nacional. Muitos
deles, derrubados pelos novos ventos literários, viram esquecidos seus feitos
culturais e políticos, em particular suas lutas jornalísticas e panfletárias, nesse
período em que finda a escravidão e morre o Império e nasce a República.
Seus companheiros eram
da melhor safra. Olavo Bilac, Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Pedro Rabelo, Raul
Pompéia. O que não impediu que entre eles trocassem farpas, chegando ao episódio
do duelo brancaleônico entre Pardal Mallet e Olavo Bilac. Após passarem a noite
juntos, bebendo e fumando, na casa de Bilac, foram duelar. O fiasco foi
monumental. Bilac acertou uma estocada e se lançou sobre o amigo, aos prantos.
Chamou um médico. O ferimento, no entanto, fora leve.
Pardal Mallet fazia um jornalismo
furioso, denunciador. Combateu a favor do divórcio e contra os desvirtuamentos
dos ideais republicanos. Sobretudo contra o espírito conservador da época. No
livro organizado por Seffrin há um texto de Mallet que é uma preciosidade: “Pelo
divórcio!”.
Seffrin lembra que
Medeiros e Albuquerque critica no jornalismo de Mallet a “grande dose de
fantasia com que se fazia a imprensa na época”, num episódio, aliás, que
envolve uma molecagem que cometeu junto com Olavo Bilac. Hoje, a julgar pelo
jornalismo despido de fantasia e de combate que nos cerca, isso pode ser um
grande elogio.
Acontece que Medeiros e
Albuquerque – autor de um livro de memórias notável, “Quando eu era vivo” – era
florianista convicto, enquanto que Mallet escreveu páginas ferozes contra
Floriano a quem chamava de “Ahasverus da desgraça desta pátria”.
Briga feia. Mallet, por
ordens de Floriano, foi deportado para a Amazônia.
Mas Medeiros e
Albuquerque faz de Mallet um retrato simpático:
“Um rapaz bonito. Fino,
elegante, usando sempre uma gravata vermelha, das gravatas em grande laço, – o
laço em borboleta – como foi outrora a moda dos pintores, ele tinha o tipo que
convencionalmente se atribui ao d’Artagnan de Alexandre Dumas: um fino bigode e
um pequeno cavanhaque.”
Por detrás da figura
pitoresca de um d’Artagnan, no entanto, havia um jornalista vibrante, um
polemista que enfrentava os poderosos sem medo, um agitador cultural da melhor
espécie e um escritor que vale a pena ler.
O livro organizado por
André Seffrin – com uma picardia que agradaria a Pardal Mallet – nos ajuda a
recuperar essa fatia agitada da história política e cultural do Brasil.
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Abaixo, acrescento outras artes de Pardal
Mallet:
Filho e neto de
marechais, Pardal saiu-se um boêmio e anarquista. Aliás, cabe fazer uma
história de filhos de militares. É uma turma da fuzarca, que costuma – como
Freud se deliciaria em explicar – ser o avesso do avesso do avesso.
Quando Medeiros e
Albuquerque acusou Pardal Mallet de praticar um jornalismo fantasista, se
referia precisamente a um episódio que envolve Olavo Bilac, outro que adorava gaiatices,
para usarmos uma palavra da época. Ocorre que os dois estavam discutindo numa
confeitaria alguma questão literária, sendo que cada um deles atribuía a
autoria de um texto a autores diferentes. Teimosos e sem saída para o imbróglio,
fizeram uma aposta. Se Bilac perdesse deveria escrever um artigo contra o barão
de Paranapiacaba (que Bilac chamava de “Barão-de-nunca-mais-se-acaba”). Fosse
Pardal o perdedor, deveria escrever contra o tenente Vinhaes, que havia
abandonado a política e ocupava altos cargos na Marinha. Diga-se que nenhum dos
dois tinha nada a ver com a questão.
Pois Pardal perdeu e
teve que escrever um artigo demolindo Vinhaes, que ficou assombrado, pois era
amigo de Pardal, que tinha por ele sincera admiração. Mas aposta era aposta e a
imprensa serviu para essa molecagem.
Para avaliarmos o
espírito ao mesmo tempo crítico e farrista de Pardal Mallet, vale lembrar outro
episódio narrado por Medeiros e Albuquerque.
Medeiros havia
publicado em jornal um poema do qual faziam parte esses versos:
“Eis o mimoso
cálix deste verde
e rutilante e
vívido absinto”.
Mallet não perdeu tempo.
Procurou o poeta na rua do Ouvidor e o chamou às falas. Cito:
“- Tu já bebeste
absinto?
- Nunca.
- Tu já viste absinto?
- Muitas vezes, nas
confeitarias e casas de bebidas.
- E sabes como é que
ele se bebe?
- É boa – exclamei eu,
admirado com a pergunta: - Enche-se um cálix e bebe-se. Como há de ser senão
assim?”
Pardal soltou uma gargalhada
e o levou a uma confeitaria, onde preparou um copo de absinto, pondo a água
necessária e pingando a famosa bebida sobre um pedaço de açúcar. Mandou que
bebesse.
Foi quando Medeiros e
Albuquerque descobriu que a beberagem tinha cor de água com sabão e gosto
insuportável.
Pardal Mallet, como em
tudo que fazia, se divertiu como nunca.
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