sábado, 18 de maio de 2013

Pardal Mallet, você conhece?



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André Seffrin, na apresentação cheia de picardia (Pardal Mallet, edição ABL, 2012), é o primeiro a advertir: “ao contrário do que se imagina não é pseudônimo”.
Figura curiosa, jornalista e escritor, polemista e ativista político, chamava-se João Carlos de Medeiros Pardal Mallet. Autor de romances, contos, ensaios e de uma vasta colaboração na imprensa. Nascido em Bagé, 1864.
Pardal faz parte de um grupo de intelectuais que merece ser melhor conhecido. Após o Modernismo certas figuras das gerações anteriores sofreram um apagão na memória nacional. Muitos deles, derrubados pelos novos ventos literários, viram esquecidos seus feitos culturais e políticos, em particular suas lutas jornalísticas e panfletárias, nesse período em que finda a escravidão e morre o Império e nasce a República.
Seus companheiros eram da melhor safra. Olavo Bilac, Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Pedro Rabelo, Raul Pompéia. O que não impediu que entre eles trocassem farpas, chegando ao episódio do duelo brancaleônico entre Pardal Mallet e Olavo Bilac. Após passarem a noite juntos, bebendo e fumando, na casa de Bilac, foram duelar. O fiasco foi monumental. Bilac acertou uma estocada e se lançou sobre o amigo, aos prantos. Chamou um médico. O ferimento, no entanto, fora leve.
Pardal Mallet fazia um jornalismo furioso, denunciador. Combateu a favor do divórcio e contra os desvirtuamentos dos ideais republicanos. Sobretudo contra o espírito conservador da época. No livro organizado por Seffrin há um texto de Mallet que é uma preciosidade: “Pelo divórcio!”.
Seffrin lembra que Medeiros e Albuquerque critica no jornalismo de Mallet a “grande dose de fantasia com que se fazia a imprensa na época”, num episódio, aliás, que envolve uma molecagem que cometeu junto com Olavo Bilac. Hoje, a julgar pelo jornalismo despido de fantasia e de combate que nos cerca, isso pode ser um grande elogio.
Acontece que Medeiros e Albuquerque – autor de um livro de memórias notável, “Quando eu era vivo” – era florianista convicto, enquanto que Mallet escreveu páginas ferozes contra Floriano a quem chamava de “Ahasverus da desgraça desta pátria”.
Briga feia. Mallet, por ordens de Floriano, foi deportado para a Amazônia.
Mas Medeiros e Albuquerque faz de Mallet um retrato simpático:

“Um rapaz bonito. Fino, elegante, usando sempre uma gravata vermelha, das gravatas em grande laço, – o laço em borboleta – como foi outrora a moda dos pintores, ele tinha o tipo que convencionalmente se atribui ao d’Artagnan de Alexandre Dumas: um fino bigode e um pequeno cavanhaque.”

Por detrás da figura pitoresca de um d’Artagnan, no entanto, havia um jornalista vibrante, um polemista que enfrentava os poderosos sem medo, um agitador cultural da melhor espécie e um escritor que vale a pena ler.
O livro organizado por André Seffrin – com uma picardia que agradaria a Pardal Mallet – nos ajuda a recuperar essa fatia agitada da história política e cultural do Brasil.

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 Abaixo, acrescento outras artes de Pardal Mallet:

Filho e neto de marechais, Pardal saiu-se um boêmio e anarquista. Aliás, cabe fazer uma história de filhos de militares. É uma turma da fuzarca, que costuma – como Freud se deliciaria em explicar – ser o avesso do avesso do avesso.
Quando Medeiros e Albuquerque acusou Pardal Mallet de praticar um jornalismo fantasista, se referia precisamente a um episódio que envolve Olavo Bilac, outro que adorava gaiatices, para usarmos uma palavra da época. Ocorre que os dois estavam discutindo numa confeitaria alguma questão literária, sendo que cada um deles atribuía a autoria de um texto a autores diferentes. Teimosos e sem saída para o imbróglio, fizeram uma aposta. Se Bilac perdesse deveria escrever um artigo contra o barão de Paranapiacaba (que Bilac chamava de “Barão-de-nunca-mais-se-acaba”). Fosse Pardal o perdedor, deveria escrever contra o tenente Vinhaes, que havia abandonado a política e ocupava altos cargos na Marinha. Diga-se que nenhum dos dois tinha nada a ver com a questão.
Pois Pardal perdeu e teve que escrever um artigo demolindo Vinhaes, que ficou assombrado, pois era amigo de Pardal, que tinha por ele sincera admiração. Mas aposta era aposta e a imprensa serviu para essa molecagem.

Para avaliarmos o espírito ao mesmo tempo crítico e farrista de Pardal Mallet, vale lembrar outro episódio narrado por Medeiros e Albuquerque.
Medeiros havia publicado em jornal um poema do qual faziam parte esses versos:

Eis o mimoso cálix deste verde
e rutilante e vívido absinto”.

Mallet não perdeu tempo. Procurou o poeta na rua do Ouvidor e o chamou às falas. Cito:

“- Tu já bebeste absinto?
- Nunca.
- Tu já viste absinto?
- Muitas vezes, nas confeitarias e casas de bebidas.
- E sabes como é que ele se bebe?
- É boa – exclamei eu, admirado com a pergunta: - Enche-se um cálix e bebe-se. Como há de ser senão assim?”

Pardal soltou uma gargalhada e o levou a uma confeitaria, onde preparou um copo de absinto, pondo a água necessária e pingando a famosa bebida sobre um pedaço de açúcar. Mandou que bebesse.
Foi quando Medeiros e Albuquerque descobriu que a beberagem tinha cor de água com sabão e gosto insuportável.
Pardal Mallet, como em tudo que fazia, se divertiu como nunca.



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