Referindo-se aos Vinte poemas de amor e uma Canção
desesperada, de onde retirei o poema abaixo, disse Pablo Neruda: é “livro doloroso
e pastoril que contém minhas mais atormentadas paixões adolescentes, misturadas
com a natureza envolvente do Sul da minha pátria”. Livro feito de melancolia e
prazer de viver, nele estão “as ruas estudantis, a universidade, o cheiro de
madressilva do amor compartilhado”.
Cito o poema original e
a tradução de Domingos Carvalho da Silva, poeta nascido em Portugal, que
veio para o Brasil aos nove anos e se tornou brasileiro por inteiro.
Quem leu esses poemas
pela primeira vez quando tinha dezessete anos ficou marcado pela vida inteira.
Pensa neles sempre e os relê como se hoje fosse pela primeira vez.
1
Cuerpo de mujer, blancas colinas,
muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud
de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te
socava
y hace saltar el hijo del fondo de
la tierra.
Fuí solo como un túnel. De mí huían
los pájaros,
y en mí la noche entraba su
invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como
uma piedra en mi honda
Pero cae la hora de la venganza, y
te amo,
Cuerpo de piel, de musgo, de leche
ávida y firme.
Ah los vasos del pecho! Ah los ojos
de ausencia!
Ah las rosas del pubis! Ah tu voz
lenta y triste!
Cuerpo de mujer mia, persistiré en tu
gracia.
Mi sed, mi ansia sin límite, mi caminho
indeciso!
Obscuros cauces donde la sed eterna
sigue,
y la fadiga sigue, y el dolor infinito.
1
Corpo de mulher, alvas colinas,
coxas brancas,
ao mundo te assemelhas em teu ato
de entrega.
O meu corpo selvagem de camponês te
escava
e faz saltar o filho das entranhas
da terra.
Fui um túnel vazio. De mim fugiam
pássaros
e a noite me infiltrava sua invasão
resoluta.
Para sobreviver forjei-te qual uma
arma,
uma flecha em meu arco de pedra em
minha funda.
Tomba porém a hora da vingança e eu
te amo.
Corpo de pele e musgo, de leite
ávido e firme.
Ah os vasos do peito! Ah os olhos
de ausência!
Ah as rosas do púbis! Ah tua voz
lenta e triste!
Corpo de mulher minha, persisto em
tua graça.
Minha ânsia sem limites, meu
caminho indeciso!
Sulcos escuros onde a sede eterna
corre,
onde a fadiga corre, e a dor, este infinito.
Há dias em que ler Neruda é bom. Há outros em que é muito bom!
ResponderExcluirLê-lo enriquecido por comentários esclarecidos e esclarecedores é ótimo!