Roberto Carlos por William Medeiros |
O Brasil é o país das
polêmicas inúteis. E mais: o Brasil é um país autoritário. Dito assim, muitos
concordarão e por uma razão simples: a frase possui um altíssimo grau de
verdade.
Ocorre que essa
atribuição genérica de autoritarismo ao país é utilizada para insinuar que os
autoritários “são os outros”. Eis onde mora o equívoco.
A direita brasileira
esbraveja contra limitações às liberdades. Querem pensar, agir, comerciar,
produzir, explorar sem amarras. Muito bem. Mas sabemos que, no passado e no
presente, a direita aliou-se ao autoritarismo, à repressão, à censura, à tortura.
Inclusive “filósofos” que hoje esbravejam contra a “esquerda” não escondem o
desejo de chavear a boca dos adversários. Discutir, argumentar, é raro.
Isso quanto à direita.
Vamos ao outro lado, a esquerda, ainda que as palavras esquerda e direita já
devessem ter desaparecido, por esclerose, de um vocabulário político
civilizado.
Pois a esquerda, que travou
lutas épicas contra ditaduras, não raro dá demonstrações do mesmo espírito autoritário.
O episódio recente é o complô
de artistas exigindo biografias “autorizadas” em defesa da “intimidade” – assim
como há uma Lei Maria da Penha, acho que desejam uma Lei Roberto Carlos, sendo
que essa não tem o mérito daquela.
Desta forma, se o leitor
quiser escrever uma biografia do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem da
Rocinha, ou de Renan Calheiros, o chefão do Senado Federal, terá que obter
autorização do personagem, submetendo o texto à censura prévia. Isso levaria ao
aparecimento de hagiografias nas quais os referidos são retratados como homens
santos. Tal como o Senhor de Bayard, são cavalheiros “sans peur et sans
reproche”.
Na biografia, portanto,
não devem constar “intimidades” que supostamente denigram o retratado. Estranho
essa preocupação com “intimidades”. Acharia mais relevante a preocupação com as
“publicidades” que envolvem artistas: apoios governamentais indevidos, grana de
estatais poderosas, troca de favores com governantes, farra com grana pública, incentivos
marotos etc. Pecadilhos “públicos” sempre me parecem mais graves.
Além disso, sempre que
se incomodam, direita e esquerda querem de imediato aprovar uma lei. No caso,
censura prévia. Ao contrário do resto do mundo civilizado onde as biografias
não autorizadas abundam. Por isso vemos criaturas que admiramos – Chico e
Caetano – apoiando uma muleta legal que imponha biografias chapas brancas.
Mas, tratando-se do
Brasil, tudo resultará em circo. Abrir a mente a debates francos não interessa.
Abrir arquivos e realizar pesquisas sobre fatos e nomes nacionais também não. Trazer
à tona a memória pessoal e social assusta muita gente. Como ficará a pose no
retratinho do falecido? Por isso foi necessária uma comissão da verdade para
investigar fatos que já eram do conhecimento público há décadas.
É preciso afastar desse
debate as questões pessoais e investigar as razões sócio-culturais que levam o
Brasil às polêmicas inúteis, nas quais as vítimas são a liberdade e a verdade.
A não ser que o
biografado seja um santo homem, o que, convenhamos, rareia.
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