Machado é tido como pessimista. Assim costuma ser apresentado aos leitores.
O problema desses juízos definitivos é que induzem, a quem os escuta, a
concluir que já sabe o suficiente, ficando dispensado de ler seus livros.
Portanto, é preciso entender o que era esse pessimismo de Machado.
Nasceu numa família pobre. Perdeu a mãe muito cedo e o pai quando
adolescente. A segunda mulher de seu pai foi para ele um bálsamo: ela o amou e protegeu.
Mas, além de pobre, era baixinho, raquítico, vesgo e gago. Já seria o bastante.
Além disso, era mulato, filho de negros forros, nascido num Brasil
escravocrata. E sofria, desde jovem, de epilepsia – “umas coisas esquisitas”,
dizia, sem conseguir pronunciar o nome da doença que o maltratava.
Um sério candidato ao fracasso. Ninguém imaginaria que com tais
problemas, alvo de preconceitos sociais e racistas, poderia ir além de um pobre
negrinho dos morros cariocas.
No entanto, na mocidade, veio a ser um amante inquieto sob a alcunha de
Machadinho, cuja história ainda não foi escrita, mas sabemos que envolve muitas
conquistas. As coristas dos teatros da época o conheciam a fundo, digamos. Mas no
imaginário brasileiro ele ficou como um velhinho claudicante, curvado sob uma
nuvem de pessimismo.
Foi jornalista e cobriu sessões do Senado, do que resultaram textos
cheios de sátiras às figuras que lá estavam, o que nos ajuda a entender
senadores de todos os tempos. Aliás, cabe indicar uma das esquisitices
brasileiras, país sem norte filosófico: suas crônicas relativas ao Senado ganharam
edição prefaciada pelo notório José Sarney, que faz o habitual floreado
beletrista. Coisas do Brasil. Machado não tem nada a ver com isso.
Fixou-se desde cedo num objetivo: estudar, ler e escrever. Realizou seu
projeto. Tornou-se um grande escritor e um conhecedor dos problemas de sua
época. Conquistou reconhecimento, foi acolhido ainda muito jovem por
intelectuais que apostaram no seu talento, entre eles Paula Brito. Conhecia diversas
línguas, fez traduções e, já idoso, dizem que começou a estudar grego.
Era escritor respeitado embora seus livros vendessem modestamente,
naquele modesto mundo editorial de então. Aliás, o mercado editorial brasileiro
continua modestíssimo, salvo na boca de autores e editores mentirosos. Quem
vendia muito era Humberto de Campos, que hoje ninguém sabe quem foi. É o
destino dos best-sellers.
Por quarenta anos foi funcionário público exemplar no Ministério de
Viação. Participou da fundação da Academia Brasileira de Letras e foi seu
primeiro presidente. Isso pode ser colocado no crédito ou no débito do autor.
Há controvérsias.
Finalmente, Machado foi um vitorioso na sua vida pessoal. Era apaixonado
por Carolina, que dedicou a ele os cuidados que a vida de menino não lhe
concedeu. Viveram uma bela história.
Ele sabia que realizara seus sonhos. Ao morrer, pronunciou, segundo José
Veríssimo, a seguinte frase: “A vida é boa”.
Sendo a vida boa, o que não era bom? A resposta está nos romances e
contos e crônicas que escreveu. Foi uma consciência crítica severa de seu tempo
– daí o “pessimismo”.
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