segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Machado, que era de Assis





 



Machado é tido como pessimista. Assim costuma ser apresentado aos leitores. O problema desses juízos definitivos é que induzem, a quem os escuta, a concluir que já sabe o suficiente, ficando dispensado de ler seus livros.
Portanto, é preciso entender o que era esse pessimismo de Machado.
Nasceu numa família pobre. Perdeu a mãe muito cedo e o pai quando adolescente. A segunda mulher de seu pai foi para ele um bálsamo: ela o amou e protegeu. Mas, além de pobre, era baixinho, raquítico, vesgo e gago. Já seria o bastante. Além disso, era mulato, filho de negros forros, nascido num Brasil escravocrata. E sofria, desde jovem, de epilepsia – “umas coisas esquisitas”, dizia, sem conseguir pronunciar o nome da doença que o maltratava.
Um sério candidato ao fracasso. Ninguém imaginaria que com tais problemas, alvo de preconceitos sociais e racistas, poderia ir além de um pobre negrinho dos morros cariocas.
No entanto, na mocidade, veio a ser um amante inquieto sob a alcunha de Machadinho, cuja história ainda não foi escrita, mas sabemos que envolve muitas conquistas. As coristas dos teatros da época o conheciam a fundo, digamos. Mas no imaginário brasileiro ele ficou como um velhinho claudicante, curvado sob uma nuvem de pessimismo.
Foi jornalista e cobriu sessões do Senado, do que resultaram textos cheios de sátiras às figuras que lá estavam, o que nos ajuda a entender senadores de todos os tempos. Aliás, cabe indicar uma das esquisitices brasileiras, país sem norte filosófico: suas crônicas relativas ao Senado ganharam edição prefaciada pelo notório José Sarney, que faz o habitual floreado beletrista. Coisas do Brasil. Machado não tem nada a ver com isso.
Fixou-se desde cedo num objetivo: estudar, ler e escrever. Realizou seu projeto. Tornou-se um grande escritor e um conhecedor dos problemas de sua época. Conquistou reconhecimento, foi acolhido ainda muito jovem por intelectuais que apostaram no seu talento, entre eles Paula Brito. Conhecia diversas línguas, fez traduções e, já idoso, dizem que começou a estudar grego.
Era escritor respeitado embora seus livros vendessem modestamente, naquele modesto mundo editorial de então. Aliás, o mercado editorial brasileiro continua modestíssimo, salvo na boca de autores e editores mentirosos. Quem vendia muito era Humberto de Campos, que hoje ninguém sabe quem foi. É o destino dos best-sellers.
Por quarenta anos foi funcionário público exemplar no Ministério de Viação. Participou da fundação da Academia Brasileira de Letras e foi seu primeiro presidente. Isso pode ser colocado no crédito ou no débito do autor. Há controvérsias.
Finalmente, Machado foi um vitorioso na sua vida pessoal. Era apaixonado por Carolina, que dedicou a ele os cuidados que a vida de menino não lhe concedeu. Viveram uma bela história.
Ele sabia que realizara seus sonhos. Ao morrer, pronunciou, segundo José Veríssimo, a seguinte frase: “A vida é boa”.
Sendo a vida boa, o que não era bom? A resposta está nos romances e contos e crônicas que escreveu. Foi uma consciência crítica severa de seu tempo – daí o “pessimismo”.



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