Diz-se que Napoleão não
pode ser considerado um notável general porque, ao invés de executar, resolveu
livrar da forca um editor.
Editores sempre gozaram
de má fama. Vivem entre a necessidade de fazer dinheiro e a vaidade desmedida de
escritores; entre a volatilidade dos leitores e as oscilações do mercado. Entre
edições picaretas e a publicação de livros de qualidade.
André Schiffrin,
franco-americano, foi editor notável, alcançando o respeito de escritores,
revelando e difundindo autores. Navegou na contra-corrente das tendências
fáceis da indústria editorial.
Faleceu no dia primeiro
de dezembro passado, em Paris, aos 78 anos.
Seu pai, de quem herdou
a veia editorial e a formação humanística, foi Jacques Schiffrin, judeu nascido
em Baku, Azerbaijão, em 1892. Na década de 1920, em Paris, funda as Éditions de
la Plèiade. Em 1933, transfere-se para a
Gallimard, que incorpora sua editora na Bibliothèque de la Plèiade. Foi amigo
de uma geração de intelectuais, entre eles Gide, que o ajuda, em 1940, a fugir
para os EUA, quando os nazistas impõem a arianização das editoras. Foi demitido
através de um bilhete de três linhas assinado pelo senhor Gaston Gallimard.
Jacques refugia-se em
Nova York. Publica Aragon,
Saint-Exupéry. Une-se à Pantheon Books. Enquanto isso, o menino
André cresce e estuda filosofia com Hannah Arendt, frequenta Yale, Cambridge e
Columbia. Com a morte do pai, em 1950, assumirá a Pantheon
Book a partir de 1963. Seus autores: Hobsbawm, Chomsky, Sartre, Foucault.
Mas a roda da vida gira.
Em 1990 a Randon House, que incorporara a Pantheon
Book, decreta que essa tem baixa rentabilidade, devendo ser extinta. André
resiste. Quando a Pantheon é adquirida pela gigantesca Newhouse, ele e sua
equipe pedem demissão.
Assim, em 1992, aos 57
anos, André Schiffrin recomeça. Funda The New Press, independente
e sem fins lucrativos. Segundo ele, havia que lutar contra a onda do entretenimento
e publicar livros de verdade. Em vinte anos, eis alguns autores: Hobsbawm,
Chomsky, Sartre, Bourdieu. A máxima de Schiffrin era ir contra a onda dominante,
pois “quando todo mundo concorda, é preciso discordar”.
Em 2004, retorna a
Paris e dali dirige sua editora em Nova York. Organiza, publica e escreve
livros. Edição sem editores seguido
de O controle da palavra, nos quais narra
como sua editora foi engolida por um conglomerado. Referindo-se à França, assusta-se
com a atonia da mídia, o conformismo dos intelectuais, a ausência de debates. Vale
para o Brasil. Aqui, escritores batem palmas e pedem
bis em vários festivais, viagens e feiras. Cada um que se salve como puder.
No horizonte, ele vê um
futuro trágico: dentro de uns dez anos existirão no mundo três ou quatro
editoras. Mas, em O dinheiro e as
palavras Schiffrin afirma que não somos impotentes nem estamos condenados a
consumir best-sellers, ou jornais miseravelmente subservientes, ou séries
televisivas ineptas. E oferece várias alternativas.
Era otimista, ou
melhor, era um lutador. Tudo depende do que fizermos.
Eis um editor que
mereceria o perdão de Napoleão.
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