QUANDO AINDA COMEMORAVAM |
A cena política brasileira
é transparente. Não é necessário muito talento, nem mesmo muito conhecimento,
para se perceber qual o sentido político do que se passa. Pode parecer óbvio o que
digo, mas é precisamente por ser óbvio que se aplica ao Brasil. Este é um país em
que tudo é visível. Vamos diretamente da aparência à essência, sem recurso a
dialéticas mais sofisticadas.
Um dos casos que ocupam a
mídia nesses dias são as condições de saúde do ex-deputado Genuíno. Ele fez uma
operação no coração, recuperou-se, mas apresenta pressão alta. Será um caso
grave? Exigirá cuidados especiais? Poderá ser encarcerado ou deverá ficar em
prisão domiciliar?
Tudo isso foi debatido e
noticiado. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, indicou especialistas para
darem um laudo médico a respeito.
O outro caso é o de Roberto
Jefferson, a respeito do qual também uma junta de médicos se pronunciará. Está convalescendo
de uma operação do pâncreas. Tem câncer. Emagreceu muito. É um homem que está visivelmente
doente. Também ele deseja permanecer em prisão domiciliar dado seu estado de
saúde.
Esses são os fatos que dão
margem a noticiário e entrevistas.
Mas do que se trata?
Duas observações,
igualmente óbvias e despidas de partidarismo.
Uma: sabemos que nas
prisões brasileiras, insalubres, existem inúmeros presos com doenças graves. Alguns
têm câncer, outros têm AIDS. A tuberculose anda por toda parte. Doenças
respiratórias, da pele, psiquiátricas. São essas as condições de saúde de
milhares de presos. Muitos casos são gravíssimos. Isso é sabido. Há muito.
Dois: só agora, quando se
está na iminência de ver na cadeia figuras que não fazem parte da plebe ignara,
mas que são membros da classe política dominante e poderosa é que se levanta
essa questão: deve um preso com doença grave ficar na cadeia comum a todos?
Eis então a evidência.
Parece que nunca se pensou no assunto das condições carcerárias. E agora também
não se pensa, mas procura-se encontrar um jeito de amenizar a vida de figurões
que o STF mandou prender após processo.
É uma repetição, em escala
maior, do episódio das algemas acontecido há alguns anos. Só quando
engravatados foram algemados é que se ergueram vozes de empetecados advogados
vociferando que era injusto, uma injúria, uma forma desrespeitosa de tratar o
próximo, sendo que vemos diariamente a plebe rude ser levada a ferros para a
cadeia.
Agora, a prisão dos mensaleiros
foi estigmatizada de espetáculo midiático. Joaquim Barbosa foi criticado por um mandado de prisão legítimo.
Portanto, esse episódio
evidencia que não debatemos a sério as condições carcerárias existentes no país.
E mostra igualmente que queremos tratamento diferenciado para nobres e plebeus.
O Dirceu quer ser gerente de um hotel. O Genuíno quer ir para casa.
Ora, se de fato as
condições de saúde deles, Jefferson e Genuíno, exigir tratamento especial, é
razoável o pedido. Mas por que ninguém está pensando em exigir – e nunca se
exigiu até hoje – o mesmo tratamento para os plebeus que estão trancafiados com
AIDS, tuberculose, câncer de pele, esquizofrenia e tantas outras doenças
igualmente graves? Só os nobres comovem os legisladores, os políticos, os
partidos?
A desigualdade visceral de
condições e de tratamento dada a pobres e ricos, a nobres e plebeus, a
engravatados e pés-de-chinelo, é uma marca indelével da sub-democracia
brasileira.
Vale a máxima que está no
livro A revolução dos bichos, de George Orwell: todos
são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.
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