quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Prisão domiciliar só para os nobres? E a plebe rude?


QUANDO AINDA COMEMORAVAM



A cena política brasileira é transparente. Não é necessário muito talento, nem mesmo muito conhecimento, para se perceber qual o sentido político do que se passa. Pode parecer óbvio o que digo, mas é precisamente por ser óbvio que se aplica ao Brasil. Este é um país em que tudo é visível. Vamos diretamente da aparência à essência, sem recurso a dialéticas mais sofisticadas.
Um dos casos que ocupam a mídia nesses dias são as condições de saúde do ex-deputado Genuíno. Ele fez uma operação no coração, recuperou-se, mas apresenta pressão alta. Será um caso grave? Exigirá cuidados especiais? Poderá ser encarcerado ou deverá ficar em prisão domiciliar?
Tudo isso foi debatido e noticiado. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, indicou especialistas para darem um laudo médico a respeito.
O outro caso é o de Roberto Jefferson, a respeito do qual também uma junta de médicos se pronunciará. Está convalescendo de uma operação do pâncreas. Tem câncer. Emagreceu muito. É um homem que está visivelmente doente. Também ele deseja permanecer em prisão domiciliar dado seu estado de saúde.
Esses são os fatos que dão margem a noticiário e entrevistas.
Mas do que se trata?
Duas observações, igualmente óbvias e despidas de partidarismo.
Uma: sabemos que nas prisões brasileiras, insalubres, existem inúmeros presos com doenças graves. Alguns têm câncer, outros têm AIDS. A tuberculose anda por toda parte. Doenças respiratórias, da pele, psiquiátricas. São essas as condições de saúde de milhares de presos. Muitos casos são gravíssimos. Isso é sabido. Há muito.
Dois: só agora, quando se está na iminência de ver na cadeia figuras que não fazem parte da plebe ignara, mas que são membros da classe política dominante e poderosa é que se levanta essa questão: deve um preso com doença grave ficar na cadeia comum a todos?
Eis então a evidência. Parece que nunca se pensou no assunto das condições carcerárias. E agora também não se pensa, mas procura-se encontrar um jeito de amenizar a vida de figurões que o STF mandou prender após processo.
É uma repetição, em escala maior, do episódio das algemas acontecido há alguns anos. Só quando engravatados foram algemados é que se ergueram vozes de empetecados advogados vociferando que era injusto, uma injúria, uma forma desrespeitosa de tratar o próximo, sendo que vemos diariamente a plebe rude ser levada a ferros para a cadeia.
Agora, a prisão dos mensaleiros foi estigmatizada de espetáculo midiático. Joaquim Barbosa foi criticado por um mandado de prisão legítimo.
Portanto, esse episódio evidencia que não debatemos a sério as condições carcerárias existentes no país. E mostra igualmente que queremos tratamento diferenciado para nobres e plebeus. O Dirceu quer ser gerente de um hotel. O Genuíno quer ir para casa.
Ora, se de fato as condições de saúde deles, Jefferson e Genuíno, exigir tratamento especial, é razoável o pedido. Mas por que ninguém está pensando em exigir – e nunca se exigiu até hoje – o mesmo tratamento para os plebeus que estão trancafiados com AIDS, tuberculose, câncer de pele, esquizofrenia e tantas outras doenças igualmente graves? Só os nobres comovem os legisladores, os políticos, os partidos?
A desigualdade visceral de condições e de tratamento dada a pobres e ricos, a nobres e plebeus, a engravatados e pés-de-chinelo, é uma marca indelével da sub-democracia brasileira.
Vale a máxima que está no livro A revolução dos bichos, de George Orwell: todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.



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