segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Janelas de não ver o mundo






Mudei de apartamento e, súbito, o mundo mudou. Embora tenha apenas atravessado a rua, a vista é outra. Daqui é possível bisbilhotar uma paisagem mais distante, tanto na frente como nos fundos. Sendo face norte, produz a impressão de que mudei de cidade.
Mas não foi isso que me chamou a atenção.
As janelas me surpreenderam. Daqui posso ver uma quantidade enorme de janelas nos prédios em volta. Não cheguei a contá-las, nem farei isso, mas passam das centenas.
Umas após as outras, umas acima ou ao lado das outras. Janelas de frente e pequenas janelas ao fundo. Um grande festival de janelas
Mas não foi pelo número que elas chamaram minha atenção.
Chamaram minha atenção pela falta de imaginação. Retângulos de alumínio. Vidros grandes, sem divisões. Duas abas que correm uma sobre a outra, pelo que se dispõe apenas de meia janela. Deve ser mais barato, fico imaginando eu, que nunca havia pensado nas leis econômicas das janelas.
De dia são escuras. À noite deixam pouco à mostra. Um armário, uma geladeira, um canto de mesa.
Mas também não foi isso que me surpreendeu.
Fiquei pasmo com a ausência de gente nas janelas. No máximo vejo um vulto que surge e apaga uma luz ou fecha a cortina. Dia desses vi um gordinho chegar numa das janelas e vasculhar rapidamente de um lado e outro, fechando desinteressado a cortina. Sumiu o gordinho.
Fiquei pensando que algo mudou no mundo. As janelas já foram mais valorizadas. Tinham beirais, saliências, enfeites no alto ou nas laterais, cortinas que se estufavam em gomos, presas a um canto com cordões.
E havia o costume – sobretudo das mulheres, sempre mais curiosas – de se debruçarem nas janelas. Sobre uma almofada, as senhoras repousavam os braços cruzados, permitindo que seus seios também participassem da paisagem.
É claro que não se espera que alguém, no décimo andar, converse com alguém que passe na rua, mas é admirável que ninguém se habilite a bisbilhotar o que está lá fora.
O romancista gaúcho, Josué Guimarães, infelizmente esquecido na atual onda de burrice que assola a literatura nacional, chegou a escrever um romance, Os tambores silenciosos, a partir da janela de onde, munidas de binóculos, sete curiosas solteironas vasculham a vidinha de sua cidade interiorana.
Hoje se perdeu a curiosidade de espiar o mundo pelas janelas. Foram substituídas pela televisão entronizada no centro da sala. É nela que todos espiam o que lhes oferecem como sendo o “mundo”.
Quando perguntaram a Umberto Eco, que foi professor de Filosofia Medieval, por que ambientou O Nome da Rosa na Idade Média ao invés de no século XX, sendo o enredo policial, ele respondeu de forma exemplar. Disse: “É que da Idade Média eu tenho um conhecimento direto, enquanto que o século XX só conheço pela televisão”.
Prevejo um dia em que casas e apartamentos não terão janelas. Haverá um sistema de ventilação informatizado, sugando o ar por pequenos canais, e os moradores se fartarão com as telas de televisão, de celulares, de computadores, de tablets e do que mais for inventado.
Para que janelas?



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