A noite, filme de Michelangelo Antonioni. Em cena, Jeanne Moureau e Marcelo Mastroiani. |
Encontraram-se por
acaso, ao entrarem no café. Depois do choque inicial e de gestos constrangidos,
ocuparam a mesa de canto e aguardaram em silêncio o garçom e o vinho escolhido ao
acaso.
Quando o garçom trouxe
o vinho, disseram ao mesmo tempo:
- Há uma coisa...
Riram da coincidência. Mais
uma coincidência. Ele pediu desculpas:
- Fale.
- Fale você.
Ela esperou, evitando o
olhar dele. Deu um volta no cálice de vinho e disse:
- Há uma coisa que eu
nunca te disse...
- Era o que eu ia te
dizer.
- Ia dizer o quê?
- Isso mesmo. Há uma
coisa que eu nunca te disse.
Ela sorriu e tentou
falar, mas ele a interrompeu, perguntando:
- O que você ia dizer?
- Que há uma coisa que
eu nunca te disse.
Riram. Aproveitaram
para beber.
- Há quanto tempo? –
ela perguntou.
- Há muito tempo. Nem é
bom pensar. O tempo é cruel.
- No entanto, dissemos
a mesma coisa ao mesmo tempo.
- É. Ao mesmo tempo.
Como se fosse ontem.
- Ou hoje.
- Mas já nem sei se recordo
quando...
Foram interrompidos
pelo garçom, que trouxe duas fatias de torta.
- Nem sei se combina
com esse vinho, disse ela.
- Nem eu, disse ele.
Ela tentou descontrair:
- Isso de escolher
vinhos é uma chateação. Desisti de aprender como funciona.
- Eu também. Os caras
que falam de vinho são uns chatos. Duvido que gostem de vinho.
- Do que eles gostam?
- De fazer pose. Odeiam
vinho.
Ficaram em silêncio. Um
grupo de jovens entrou no café fazendo algazarra.
- Jovens, resmungou ela.
- Já fomos jovens,
disse ele.
- Acho que nós estamos
fugindo do assunto.
- Qual?
- Aquilo que deixamos
de dizer. Aquilo que eu nunca te disse.
- É mesmo. Uma coisa
que eu nunca te disse.
- E que eu nunca te
disse.
- Mas será que...
- Acho que não. O
tempo...
- Talvez a gente
pudesse...
Ela fez um gesto, o
dedo sobre os lábios:
- Não. Melhor esquecer.
- Tem razão.
Beberam em silêncio ao
longo de uma hora e meia. O garçom veio avisar que o café estava fechando. Perceberam
então que o grupo de jovens já havia partido. Despediram-se na porta, sem beijos
ou abraços.
- Até, disse ele.
- Até, disse ela.
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