Ela se chamava
Dominícia.
Sua história se passa lá
pelos fins de século XIX e início do XX. Tudo que sei dela me foi contado por
minha mãe, que falava de sua avó com carinho e saudade. Era uma mulher graciosa,
miúda, bonita. Vaidosa, inventou um creme para passar no rosto, mistura de
talco e gotas de perfume. Era o presente que dava às amigas nos aniversários. De
família pobre, cuidava de suas roupas, que ela mesma costurava, reformava,
enfeitava.
Vestida com simplicidade
e bom gosto, sapatos com saltos, cabelos arrematados em coque.
Passou a vida no Morro
da Cruz, em Florianópolis. Quando jovem, gostava de saracotear pelo centro da
cidade. Com o tempo e a velhice, resolveu ficar em casa, quieta e, pelo que
sabe, feliz.
Mas para que os
leitores entendam, preciso contar outra história.
Um dia Dominícia, talvez
num de seus saracoteios pelo centro da cidade, encontrou o amor de sua vida.
Ele era um paraguaio forte, mulato, de estampa sedutora. O fato de ser mulato,
é claro, foi escondido pelas gerações seguintes da família, que preferem falar
dele apenas como o paraguaio.
O namoro e o amor entre
eles terá sido o usual na época, mãe e pai vigiando, pequenas idas ao portão da
casa. Não demorou e se apaixonaram perdidamente. Logo estavam casados, morando
numa casinha simples, que depois ficou para os filhos e os netos, entre eles
minha mãe.
Da janela da sala, Dominícia
observava seu amor descendo o morro rumo ao trabalho. Ela ficava em casa,
cuidando do filho, da limpeza, das roupas, dessas coisas que ocupavam as
mulheres naqueles tempos. Ao final do dia, aguardava o retorno de seu amado debruçada
na mesma janela.
Eram felizes e Dominícia,
sem favores, um doce de criatura.
Não sei quanto tempo se
passou, pois os detalhes das histórias se perdem em favor de episódios que
resumem tudo. Viveram felizes até que um dia, o paraguaio, que era homem de
muitos resmungos e poucas palavras, enfiou-se na sua melhor roupa, escovou as
botinas, esticou os cabelos encaracolados, meteu um perfume barato atrás da
orelha e se preparou para sair.
Beijou Dominícia,
afagou o filho José, meu avô, e deixou sobre a mesa uma moeda de cinco mil réis:
- Volto logo. Não
demoro.
Nunca mais. Saiu da
vida de Dominícia do mesmo modo como entrara, de hora para outra. Talvez,
afinal realizando sonho antigo, tomou algum navio para o Rio de Janeiro ou
retornou a seu país, onde, desconfiavam todos, tinha família, filhos e netos.
Dominícia nunca mais foi
ao centro da cidade. De início andou a procura de seu marido. Foi à polícia e aos
hospitais. Nada. Então se recolheu em casa. Mas não se consumiu em
infelicidade. Ficou esperando.
Todos os dias, perto do
horário em que seu homem voltava do serviço, colocava no peitoril da janela uma
almofada branca, imaculada, contornada com rendas, e nela se debruçava.
Esperava. Fez isso até o fim da vida.
Emoldurada pela janela,
debruçada na almofada branca, assim ficou na memória de minha mãe. Jamais
admitiu que ele não voltasse.
- Algo aconteceu,
dizia. Ele voltará.
Não voltou.
Mas ela jamais foi
infeliz. Amava perdidamente aquele homem.
Repito aqui, caro Gomes, aproximadamente, o que escrevi à Gazeta do Povo comentando essa história tão bela e tão terna!
ResponderExcluirVocê conseguiu transformar em pura ternura cada palavra usada para contá-la.
Poder sentir um amor como o que sentiu Dominícia deve ser o sonho de todo/toda mortal...
Pena não ter dado certo. Isto é: para ele – como eternizou o poetinha – foi (ou deve ter sido) eterno enquanto durou.
Para ela, foi eterno eternamente!