Quase meia-noite. Caminho pela avenida que margeia a praia.
De algum lugar nas redondezas ouço sons abafados. Sons de música
e de conversas - o que inclui vozes de crianças, risadas. Mas o que sinto é um
profundo silêncio. Há silêncio nas ruas, nas árvores, no ar. As calçadas e as
pedras estão em silêncio. Não apenas ausência de sons ou ruídos – um silêncio
concreto, audível.
Um silêncio parado no ar.
Até o mar se limita a um ronco surdo, afastado, que alarga a faixa
de areia.
A praia esteve deserta nesse dia em que fez sol e frio. Apenas
alguns surfistas se atreveram a enfrentar a água gelada e o vento. Estiveram ali
durante a manhã e a tarde, agarrados às pranchas de surf, cavalgando as ondas. Na
maior parte do tempo apenas esperavam. Não entendo como suportam. Mas suportam
e se divertem. E isso basta.
Sou o único a caminhar por aqui. Saí do hotel e vim para a
avenida gastar uma meia hora que ainda me resta antes de dormir. Na verdade,
não queria dormir. Precisava caminhar.
Descubro então esta moto estacionada perpendicular à calçada.
Na avenida deserta, aquela moto mais parece um monumento. Uma absurda moto
solitária. Sugere uma escultura negra e solene. Desconfio que faça parte da rua
tanto quanto os postes e as placas de trânsito. A moto ali está como se ali
estivesse desde sempre. Introvertida, mergulhada no silêncio da noite. Lamento
não poder fotografá-la. Ficaria bem uma
imagem daquela criatura solitária abaixo das luzes pálidas que saem dos postes.
Talvez fotografasse o silêncio.
Deixo a moto para trás.
É quando percebo que não estou só. Surgindo de uma esquina, a
três quadras, alguma coisa se move. É um homem e sua bicicleta. Não dessas de
esportistas ou de exibicionistas. Uma bicicleta simples, modesta, que avança
com algum esforço. Não se trata de um jovem. Curva-se a cada pedalada e esconde
o rosto com um chapéu. Vindo em minha direção, não parece mover-se. Pedala como
se navegasse nuvens ou emergisse de outra dimensão, estranhando esta em que
vivemos.
Ao passar por mim, o homem move a cabeça e o chapéu num
cumprimento demorado. Faço o mesmo, movendo a cabeça e o boné. E lá continuamos
nós dois, cada um em seu caminho, sabendo que jamais nos reencontraremos. Não
sei quem é, ele não sabe quem sou, mas fazemos parte de um mesmo silêncio. Ao
longe ainda escuto o ranger das correntes cansadas da bicicleta. Ao final da
quadra, volto-me para ver onde o ciclista estará e não o vejo mais.
Seu desaparecimento não me abala. Dobrou em alguma esquina ou
retornou à dimensão da qual surgiu.
Paro de pensar. Também o pensamento me parece capaz de
perturbar o estado de quietude que envolve a tudo.
As criaturas a minha volta estão em repouso, eis tudo. Pedras,
animais e vegetais incluídos. Nenhum trepidar de trânsito, nada da neurose que
nos atinge numa cidade, mesmo quando todos - ou a maioria - dormem. É um
silêncio afirmativo, que esconde um nexo oculto entre todas as coisas, sejam
homens, bicicletas ou motos.
Volto ao hotel. Não demora e estou dormindo. Não me permiti fazer
ou pensar em nada que pudesse perturbar o silêncio.
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