- Eu sou um homem
triste.
Quem dizia isso, com
voz sofrida e rouca, era um homem pequeno, que ali pelas seis da tarde já
estava sentado na mesa dos fundos do bar do cego Tião, de onde só saía depois
de abater diversas cervejas e comer muitos rollmops.
Nada se sabia dele além
daquela reclamação lamentosa:
- Eu sou um homem
triste.
Sendo o boteco do cego
Tião, aqui no centro da Vila, um lugar de altos debates e vastas especulações,
sempre havia alguém levantando hipóteses sobre a origem de tão desesperada
tristeza.
- Tem mulher na
história, opinava Laurinho Telefone.
- Por quê? – queria
saber Luiz Borracheiro.
- Sempre tem mulher no
meio de histórias assim.
- Pura hipótese –
aparteava doutor Asclépio Plúmbeo Da
Vênia,
o causídico da Vila, dado a erudições.
- Pode ser – retrucava
Laurinho, sorrindo - Assim como a Teoria da Relatividade, da Evolução, das
Cordas, do caminho inevitável para o socialismo.
Desabava então um impasse
no ambiente. Todos ali sabem, de tanto especular entre goles de pinga e copos
de cerveja, que são inúmeros os impasses do conhecimento humano, entre eles as
razões que fariam daquele homem um ser tão infeliz.
E havia um complicador.
Dele só sabiam o nome, Toninho, dito Tonin. E sabiam disso não porque ele o
dissesse, mas porque era assim que um menino o chamava ali pelas onze da noite:
- Seu Tonin, onze
horas.
Ele atendia – donde se
concluía ser esse seu nome – pagava a conta ao cego Tião, que não perdoa
despesa nem dos homens mais tristes do mundo, e saia ao lado do menino como
quem se apoia numa bengala. Atravessava o pontilhão sobre o rio Belém, dava
umas pequenas paradas, respirava fundo, e seguia em frente. Quando alcançava o
outro lado do rio, virava-se na direção do boteco e gritava:
- Eu sou um homem
triste!
E sumia na escuridão,
motivo pelo qual não se sabia ao certo onde morava, talvez nem ele soubesse, pois
era conduzido pelo menino a seu destino.
- Deve ter havido uma
tragédia na vida dele. Perdeu a família – opinava cego Tião, que costuma
enxergar melhor os sofrimentos humanos do que seus fregueses.
- Que nada. É só
cachaça. – debochava Luiz Borracheiro – Cachaça. Por isso só bebo cerveja.
- Mulher. É mulher,
insistia Laurinho.
- Dinheiro, isso é que
destrói um homem, argumentava doutor
Asclépio,
espantando aos tapas as caspas do ombro curtido de seu sobretudo negro.
E assim como havia
frequentado o boteco durante vários anos, sem revelar mais do que seu nome, um
dia o homem triste sumiu sem deixar rastro. O menino também sumiu. Nunca mais
veio procurá-lo às onze da noite. Mas não cessaram as especulações, que se
tornaram tão obsessivas que um dia o cego Tião, irritado com tanta teoria, encerrou
a questão como era seu hábito: deu uma pancada com o porrete disciplinador que deposita
na prateleira do boteco e decretou:
- Chega de explicações
inúteis! – e, vasculhando o boteco com seu olhar vazio, perguntou – Qual a
razão de tanto espanto? Me digam uma coisa: quem aqui não é triste?
O silêncio que tomou
conta do boteco poderia ser apalpado – e era assim que cego Tião via todas as
coisas do mundo.
É realmente muito bom voltar ao boteco do Cego Tião. Bom reencontrar o Laurinho do Telefone, o Luiz Borracheiro... Personagens que vão fazendo parte da vida – da nossa vida, leitores do Gomes – sem nos pedir licença.
ResponderExcluirAté esse homem triste, e o menino que vem buscá-lo, de repente nos parecem conhecidos.
Fiquei imaginando um lugar em que se refugiasse uma mulher triste...
– Tem homem na história. – opinaria alguma Laurinha do iPhone. – Sempre tem homem no meio de histórias assim.