Bons Dias.
Assim Machado de Assis começava
suas crônicas na Gazeta de Notícias, sendo
que o fecho era um Boa Noite. Os Bons Dias são compreensíveis, sendo o jornal
matutino, mas o Boa Noite ficava no ar. A verdade é que entre os dois estava o
texto e a ironia machadiana. Era possível desejar um dia ensolarado e belo, mas
ao final do texto só restava a esperança de uma Boa Noite.
Os temas dessas
crônicas costumavam ser políticos, circunstância que a ignorância literária
nacional eclipsou, rotulando Machado como um autor alheio aos debates sociais da
época.
Dou essa pirueta
machadiana para me dizer refém do atual reboliço político. Vemos uma grande
feira de vaidades e de anúncios de milagres. Temos de um lado um país
aquarelado e cheio de sol, que só os pessimistas não enxergam. Do outro, um
futuro radiante ao alcance de um voto. Quem não resolveu certos problemas irá
resolvê-los no próximo mandato e todos que pretendem entrar em cena juram que o
futuro nos sorrirá depois de amanhã.
Mas não quero falar
disso, quero falar dos cavaletes em vias públicas. Como veem os leitores, de
todos os problemas nacionais, escolho o mais pobrinho: cavaletes. Eles estão
por toda parte. Candidatos que passaram pelo Photoshop, peles de plástico, sem
rugas, bocas imensas em sorrisos, cores abundantes e dentes alvos. Frases que
são verdadeiros dardos. A felicidade à vista. O crescimento instantâneo e sustentável.
O futuro a prazo.
Mas quero falar dos
cavaletes. Gostaria de saber como é que eles brotam feito cogumelos,
emporcalhando a cidade, atrapalhando quem anda pelas calçadas ou dirige seu
automóvel. O motorista precisa enxergar o trânsito, mas dá de cara com o
sorridente candidato(a) a lhe prometer os céus. Não a via pública livre.
Vim a saber que há
regulamentação municipal que limita os lugares e os horários nos quais tais
cavaletes podem, digamos, circular.
O que não é obedecido por
partidos e comparsas. O dia inteiro e madrugada afora lá estão eles
despedaçados pelas vias públicas atrapalhando o trânsito. Na manhã seguinte
estão de volta, os cogumelos. Brotam vigorosos.
Um vizinho meu sai para
sua caminhada de todos os dias levando consigo um canivete. Contra o cavalete,
o canivete. Vai caminhando e cantando e rasgando cavaletes. Já cortou carecas,
bigodes, orelhas, penteados volumosos, sorrisos tentadores. Quanto volta, hora
e meia depois, grita ao passar pela minha janela: cinquenta e dois! A marca do
dia.
Mas é inútil. No dia
seguinte lá estão novamente. Conquistarão algum voto? Alguém mudará seu voto ao
tropeçar num cavalete?
Prática que enfeia a
cidade e pecadilho previsto em lei, eles mostram como os governantes e
pretendentes tratam o povo ignaro. Mesmo o mais ingênuo dos votantes fica
pensando: se eles burlam a lei e emporcalham as ruas assim, a olhos vistos,
diante de todos, contra posturas municipais, o que será que essas madames e
cavalheiros não tramam na calada da noite, nos corredores dos palácios, nos
conchavos acertados em reuniões secretas?
Ah, caros leitores,
como diria Machado de Assis:
Boa Noite.
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