Ilustração de Felipe Lima (Gazeta do Povo) |
No deserto de
inteligência e de civilidade em que se transformou a campanha eleitoral, onde
se confunde caneladas e chutes nas partes baixas com refinados golpes de
retórica, acho que vou dar um tiro n’água.
Mas vamos ao caso.
Conheci o primeiro
marqueteiro quando fazia o chamado curso científico. Um dia ele surgiu para uma
palestra. Era um tipo franzino, baixinho, nervoso, que falava em ritmo de
metralhadora. Aportara na cidade recentemente e logo se tornou uma celebridade
municipal, não pelas virtudes marqueteiras, mas pelo fato de trazer na bagagem
doze filhos que fizera em sua esposa, igualmente pequenina, no entanto quieta e
mansa.
Isso foi em uma
Blumenau que não existe mais, então uma aldeia de uns sessenta mil habitantes.
Com a celebridade instantânea, meteu-se a fazer palestras. Fomos escalados para
conhecer a mais nova arma da civilização e do progresso, o marketing, que
então se chamava apenas publicidade.
Lá estava eu sentado à
beira do palco e confesso que fiquei pasmo. O tipo tinha voz de trovão, gestos superlativos
de pastor evangélico, verve ferina e andava no palco de um lado para outro como
fera enjaulada.
Não me lembro do
conjunto do que falou. Sei que a partir de certo momento comecei a ficar
entediado com o andamento daquele show, que me parecia um tanto vigarista.
Guardei na minha memória apenas o momento em que seus berros me despertaram do
tédio. Ele esbravejava:
- Repetição! Repetição!
Apontava um dedo
nervoso em todas as direções e perguntava:
- Sabem por que a oração
do Padre Nosso pegou? Sabem?! Porque foi repetida bilhões de vezes. Repetição é
tudo!
Eis então a história da
religião aos olhos de um marqueteiro.
Algum tempo depois li a
respeito de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, igualmente pequenino
e agitado. Precursor de todos os marqueteiros, escreveu o seguinte, na tradução
do meu amigo André Ambrósio: “Se uma grande mentira for contada e repetida,
repetida e repetida, vai chegar um momento em que o povo vai acreditar nela”.
Goebbels acrescentava a
isso o princípio que o guiava: “o maior inimigo do Estado é a verdade”.
Por essa razão, uma das
astúcias das mentes autoritárias é criar uma população de criaturas sem
história – todo déspota está convencido que o mundo começou no dia em que ele
nasceu e quer nos convencer de que nunca antes dele se fez nada que mereça
atenção. Ele inaugura uma nova era.
Mentira, é claro. Mas
pode pegar. É só repetir.
Marqueteiros desejam reescrever
a história como bem entendem. Podem, por exemplo, retirar Trotsky da fotografia
de um comício. Podem afirmar que investiram milhões em tal projeto, quando esses
milhões, se forem aplicados, o serão ao longo de décadas por futuros
governantes. Ou dizer que construíram o que ainda está na planta. Ou que
desviaram rios que seguem o curso de sempre.
A arte do marqueteiro é
a deseducação. Sua arma é produzir a ignorância e matar a reflexão, criando terreno
fértil à mentira.
Tudo regido pela
repetição ad infinitum, hipnotizando criaturas
que desistem de pensar por conta própria.
O que, segundo muitos,
é confortável.
Atribui-se a Henry Ford a seguinte afirmação:
ResponderExcluirThinking is the hardest work there is, which is probably the reason why so few engage in it.