Por esses dias o Congresso Nacional se agita na produção de mais
um dos seus espetáculos circenses. Agora está na roda a reforma política. Na
verdade não será reforma alguma e de política só terá o jogo de conveniências
habitual, os acertos malandros no qual todos querem levar vantagem.
Já escrevi sobre essa questão do voto obrigatório várias vezes,
mas volto ao assunto sem constrangimento. Não sou eu que me repito; é o país
que não sai do lugar.
A meu ver o artigo primeiro de uma reforma política deveria
consagrar a extinção sumária do voto obrigatório, pois se trata de uma
perversão das mais nefastas à verdadeira ordem democrática. Nas grandes
democracias não há obrigação de votar - aliás, quando se fala, na Inglaterra ou
na França, que no Brasil o voto é obrigatório, desencadeia-se uma gargalhada
geral.
E por que se trata de uma distorção violentíssima?
Obrigar a votar é típico de país autoritário, autocrático, no
qual tudo deve ser legislado de cima para baixo. Um país no qual não se
acredita nem em liberdade nem em educação nem em cidadania. Fora os iluminados
legisladores, considera-se a população um bando de idiotas.
Por outro lado, voto obrigatório abriga uma contradição nos
termos.
Voto é um direito conquistado, nas democracias, depois de muitas
lutas. Sendo um direito, cabe a cada cidadão decidir se o exerce ou não. Caso
contrário, deixa de ser direito, torna-se dever.
Vejamos.
Todos têm direito à vida, mas ninguém pode ser obrigado a viver.
Por acaso deveríamos condenar os suicidas à prisão perpétua? Tenho direito de
ir e vir, mas posso abrir mão dele e ficar num cantinho com um violão. Tenho
direito de casar, constituir família, ter filhos. Mas não posso ser obrigado a
isso.
Assim, obrigar a votar é negar o direito de votar.
Ocorre que o Brasil é um país sem espinha dorsal intelectual, o
que o condena a não saber lidar com conceitos - e é através de conceitos que
pensamos. No Brasil se "pensa" assim:
"O voto é um direito. Portanto, devemos ser obrigados a
votar."
Não. Sendo um direito, podemos escolher se votamos ou não.
Ou se "pensa" assim:
"É votando que se aprende a votar. O voto obrigatório é
educativo."
Besteira. Nada mais deseducativo do que transformar um direito
em dever.
Na verdade, o circo montado em Brasília não vai - note-se: em
nenhum dos partidos - propor a sério a instituição do voto facultativo. E a
razão é simples: o voto obrigatório é uma forma de se manipular e domesticar
currais eleitorais. Somando-se voto obrigatório e bolsa-família, o resultado é
o que está diante de todos nós. Por isso, do PT ao PSDB não se fala em voto
facultativo a sério.
Eis o óbvio ululante, diria Nelson Rodrigues.
A obrigação gera currais eleitorais, conduz às urnas quem teme
levar multa ou ser chateado pela burocracia. Ou leva às urnas quem, pensando
ser malandro, coloca seu voto à venda. A venda de votos é decorrência da
obrigação de votar. A eleição de picaretas também. Candidatos desonestos
compram votos oferecendo dentaduras, cadeiras de rodas, óculos, dinheiro. Um
cidadão consciente, que vai votar por convicção, não venderá jamais o seu voto.
Portanto, só aceito participar da discussão que o circo
brasiliense está armando se começarmos do seguinte princípio:
“Votar é um direito democrático e o cidadão soberanamente decidirá
se o exerce ou não.”
Pronto, votei.
Não sei, não sei. O tiro poderia sair pela culatra. Temo que se o voto não fosse obrigatório, os que elegem a cambada que está aí, continuariam votando ou sendo "incentivados" a votar. Grande parte da turma supostamente mais esclarecida e socialmente melhor colocada, pegaria seu carro e iria para a praia, ou aproveitaria de outra maneira o domingo de eleições. Essa mesma turma, ou parte da parte dela, pode pensar que se é obrigado a votar, então que se vote da melhor forma possível. E assim, se a lavoura não é totalmente salva, também não é completamente arrasada.
ResponderExcluirMeu prezado João Carlos Hey. Entendo seu comentário, mas...
ResponderExcluirPrimeiro: o tiro já sai pela culatra desde 1946. Segundo, entre os 15 maiores PIBs do mundo (estamos lá pelo meio) só o Brasil adota o voto obrigatório. Terceiro: considerados todos os países, nossa colocação é ainda pior. Seja como for, meu argumento não é apenas factual ou estatístico, é conceitual. O voto obrigatório desvirtua e corrompe a democracia, pois a democracia só pode se fundar na liberdade. Só a liberdade faz com que o ser humano tenha chance de melhorar. Enfim, os que iriam à praia são os mesmo que hoje vão a praia, pagam dois ou três pilas e ficam quites com a tal Justiça Eleitoral.
Mas é claro que seu argumento deve ser respeitado. Mas não concordamos nesse caso. Grande abraço do amigo.
Há argumentos dos dois lados. Claro que seria preferível a não obrigatoriedade, exerceria o direito quem quisesse e tivesse consciência política (eu entre eles, até morrer). A idiossincrasia do nosso povo é que me faz temer. Já discuti muito isso com amigos, entre um chope e outro (ou então entre um cafezinho e outro, dependendo da hora), mas ainda não estou convencido de que seria solução para nós, assim como o voto distrital, por exemplo. Como disse você, meu caro, discordar, na democracia, é preciso. Forte abraço.
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