segunda-feira, 22 de junho de 2015

Mário de Andrade – ou: A incultura dos cadernos “culturais”.




Mário na rede, 1929, Lasar Segall 



Os jornalões e jornalinhos andam assanhados. Foi revelada carta de Mário de Andrade falando de sua homossexualidade.
Eu fico pensando: e daí?
Só não sabia ou desconfiava da homossexualidade de Mário quem nunca leu seus livros e poemas, quem nunca pesquisou sua vida, quem nunca observou suas fotos ou ouviu a sua voz gravada. Portanto, nada de novo.
Esses espalhafatos dos chamados, na falta de outro nome, cadernos culturais, revelam mais a respeito do que eles são do que sobre o que Mário foi. Esses cadernos, bem como toda a “divulgação cultural” relacionada à literatura, estão mais interessados em fofocas pessoais, em bisbilhotar sexualidades, badalação de escritores da patota, lançamentos de livros, além de encher linguiça com as infindáveis e comerciais Flaps, Fleps, Flips, Flops e Flups.
Desde a morte de Wilson Martins desapareceu a crítica literária em jornais. Nada mais resta nos tais cadernos além de entrevistas sobre o umbigo dos escritores e resenhas recauchutadas fornecidas pelas editoras. Tudo pode ser notícia, menos o livro e o que ele contém. Fala-se do lançamento, da tarde/noite de autógrafos, de eventuais e duvidosos sucessos. Ou se gasta tempo e teclado com “50 tons”, “Greys” e suas dezenas de imitações. É quando encontramos perguntas com a profundidade de um pires: quando teve a ideia desse livro? Quanto tempo levou escrevendo? Qual de seus livros é o preferido? Dá para viver só de literatura no Brasil?
Pouco antes de Dalton Trevisan – notável escritor, exemplo de sobriedade e de honestidade intelectual – fazer noventa anos, reporteiros assanhados andaram por Curitiba querendo entrevistá-lo. Dalton, é sabido, não dá entrevistas. Correu com os chatos. Não contentes, os jornaleiros culturais saíram pela cidade perguntando a todos que encontravam a respeito de coisas que imaginam importantes em Dalton: tem namorada? É viciado? Bebe? É mesmo vampiro? Vai à zona?
Como se vê, perguntas profundamente culturais.
Os curitibanos procurados pelos reporteiros mandaram que eles fossem chatear em outra freguesia.
Sobre a obra de Dalton, pouca coisa. Ou bobagens. Picuinhas. Notinhas ao pé da página.
Pois agora temos mais essa: a sexualidade de Mário de Andrade. Que importância tem isso? Nenhuma. Eles, os jornaleiros, acham que rende comentários nas redes sociais. Agita o ambiente.
Não é de estranhar. Estamos num país onde as voltinhas de bicicleta da presidente, sua opinião sobre yoga e os quilos que perdeu fazendo dieta, são notícia. Enquanto navegamos no alto de tsunamis que ameaçam engolir a todos nós, jornaleiros se prestam a amaciar a “imagem” da presidente.
E remexem cartas antigas querendo escandalizar e/o atrair bobocas e fuxiqueiros em geral.
O Dalton já advertiu há muito tempo: só importa a obra.




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