Lá
estavam os dois homens na mesa do bar. Um deles se chama Tonin e do outro não
se sabe o nome. Após duas horas e três cervejas, discutiam uma questão simples
mas que já produziu muitas inimizades. Queriam decidir qual deles era o mais
infeliz. Ou o menos feliz.
-
Você é mais feliz, atacou Tonin. Meio destrambelhado, um tanto confuso, mas não
leva desaforo para casa.
-
Você que pensa.
-
Não. Não leva. Rebate na hora. Isso faz bem ao fígado que é o órgão da
felicidade.
-
Deixe de bobagem - comentou o outro – Eu sou daqueles trouxas que nunca sabem
responder de imediato. Às vezes só no dia seguinte me ocorre o que deveria ter
dito a quem me aborreceu. Depois, isso não é critério para decidir quem é mais
infeliz.
-
Não? E qual seria?
-
O peso. A gordura. Você é um gordinho feliz. Uma espécie de Buda sorridente.
Aliás, como todos os gordinhos bem resolvidos.
E
ele explicou que os gordinhos estão sempre na deles, não se agitam, são lentos
e tomam decisões de longo prazo. Um gordinho senta-se à mesa e se alimenta com
prazer, com lentidão. Gordinho apressado é um falso gordinho. É gordinho de
opereta.
-
E você se imagina o quê? Um magro elétrico?
-
Um magro agitado, ansioso, como todos os magros.
O
outro deu uma gargalhada:
-
Como todos os magros! Veja só! Ansioso é um gordinho que nem eu, que ataca o
prato de comida como ele tivesse pernas e fosse fugir.
Os
dois riram.
-
Quer saber de uma coisa? Eu fui mal na profissão, deveria ter tomado outro
rumo.
-
E daí? Eu fui mal na cidade que escolhi para morar. Tenho sofrido feito cão
danado nessa aldeia caipira.
-
E eu que fui mal no casamento? Não conta?
-
Não conta. Todo mundo vai mal no casamento.
Concordaram:
casamento não valia. Assim como time de futebol. Ganha aqui, perde ali. Mais
perde do que ganha.
–
E dinheiro?
-
Que tem o dinheiro?
-
Eu perdi tudo que tinha e não era pouco. Administrei mal, torrei no jogo, nos
vinhos e...
-
Não vale, interrompeu o outro.
-
É verdade.
Aí
um deles pediu a quarta cerveja. Chamou o garçom com um assobio estridente que
fez com que o bar inteiro se virasse para eles.
-
Viu como sou? Desastrado.
-
Isso não é defeito.
-
É defeito de magro.
-
Pode ser. Os gordos não são desastrados.
-
Você não conhece meu pai.
-
Mas conheço os gordos.
Chegou
a quarta cerveja. Um deles, que não era o Tonin, não esperou o garçom colocar a
cerveja nos copos. Pegou a garrafa.
-
Tá vendo? – disse o outro - Ansioso como todos...
-
Não force.
-
Quem de nós dois teve mais sucesso profissional?
-
E o sucesso amoroso?
-
Questão de ordem! Esse amoroso tem cheiro de casamento. Não vale.
-
Amoroso tem cheiro de casamento? Você não entende nada de amor e de casamento.
-
Assim já é demais! Está me ofendendo.
-
Eu? Eu? – indignado, ficou de pé.
Dois
garçons se aproximaram. Um deles, talvez o Tonin, conciliou:
-
Melhor a gente cair fora. Viu o tamanho dos caras?
-
Vi. Ou a gente senta para curtir o porre ou cai fora.
-
Melhor cair fora.
Pagaram
as cervejas, se abraçaram, e saíram do bar às gargalhadas.
Pareciam,
tanto o Tonin quanto o outro, muito felizes.
Já vi episódios como este no boteco que costumava frequentar.
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